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Divino Amor

Divino Amor

Novo longa de Gabriel Mascaro constrói universo interessante mas se perde na superexposição e superficialidade da crítica

Matheus Fiore - 18 de junho de 2019

“Divino Amor” se esforça bastante para construir um universo distópico digno de uma boa ficção científica. Percebemos como cada escolha não só de figurino, mas como também de locação, lente, enquadramento, cores e iluminação é importante para nos inserir em uma versão distorcida da realidade do Brasil de 2019. Essa construção de mundo funciona, já que cada quadro do longa de Gabriel Mascaro apresenta ou reitera uma ideia que o diretor emprega para definir aquele mundo. Como toda ficção científica, “Divino Amor” faz uso desse universo criado para lançar um olhar diferente para o hoje. Apesar de ter boas ideias, porém, Mascaro se enrola e não desenvolve tão bem suas ideias, e “Divino Amor” acaba sendo um apanhado de boas ideias que nunca vão para frente.

O filme acompanha Joana (Dira Paes), uma mulher que dedica sua vida à religião e trabalha em um estabelecimento estatal que, na prática, existe apenas para dificultar divórcios e manter casais unidos (em nome do Senhor, claro). O filme se molda ao redor da rotina da personagem, que acorda, cuida da casa, vai ao trabalho e depois para a missa, na igreja com o tal nome Divino Amor. Com esse cenário em mãos, Mascaro faz um estudo da perigosa relação entre Estado e Igreja e acaba também satirizando a espantosa mercantilização da fé vista principalmente com a ascensão do cristianismo protestante no Brasil.

Como eu já disse, considero até eficiente a construção de mundo da obra. Mascaro e seu diretor de fotografia, Diego García, escolhem sempre planos abertos nas cenas externas, permitindo que inúmeras ideias sejam desenvolvidas imageticamente. Notamos, por exemplo, como esses cenários externos são quase sempre cinzentos, evidenciando uma iminente falência daquele sistema que dita as regras do Brasil de 2027. Além disso, esses cenários abertos são quase sempre vazios, sendo ocupados geralmente apenas por um ou dois personagens, dando uma sensação quase apocalíptica de que há um esvaziamento de humanidade na sociedade retratada.

Em contraste com esse mundo cinzento, há os cenários religiosos, como a igreja Divino Amor, a “balada evangélica” e o drive thru de oração. Cenários que, para que sejam quase como uma profecia de o que o futuro aguarda, são os que mais concentram elementos visuais comumente atrelados ao futurismo. São espaços iluminados em neon, com muitas cores como rosa e azul. O interessante é que, além de criar essa disparidade entre os espaços, essa diferenciação tão chamativa que é feita pelo neon acaba expondo também certa falsidade nesses ambientes. A visão de Mascaro para esse crescimento evangélico é a mais pessimista possível: ele a vê quase como um esvaziamento da própria fé, além da óbvia monetização da crença.

Apesar de ter tantas ideias até interessantes, há em “Divino Amor” pouca inventividade para que, com essas ideias, a obra possa trabalhar os temas. A fim de criar uma caricatura, o filme acaba flertando diversas vezes com situações patéticas que, por não desenvolverem muitos conceitos e existirem apenas para caçoar daquele universo, soam pueris, infantilizam a narrativa como um todo. Essa característica piora o fato de o filme direcionar toda sua dramaticidade a um único núcleo que, apesar de coeso, entrega uma conclusão também superficial, por não acrescentar nada de inédito à narrativa. “Divino Amor” parece preso a um ciclo de reafirmação e repetição de ideias que, mesmo que já estejam estabelecidas de forma explícita ou sugerida, serão revisitadas de novo e de novo pelos cem minutos seguintes…

Essa repetição torna o filme não só monótono, como também óbvio. Mesmo que trabalhe com conceitos simples, como a hipocrisia de uma sociedade cristã e socrática como é a nossa, “Divino Amor” está sempre esfregando na nossa cara suas ideias para garantir que o espectador vá entender. Não basta, por exemplo, que uma fila de carros se forme diante de um estabelecimento no qual um pastor atende os motoristas com uma bíblia na mão; os realizadores acreditam realmente ser necessário inserir planos com a placa “Drive Thru de Oração”.

Portanto, ao trabalhar essas mesmas ideias de maneira circular e óbvia, “Divino Amor” soa um pouco como um esquete de humor esticado por tempo demais, ou até mesmo como uma versão “blackmirroriana” daquilo que, na internet, chamamos de crítica social foda. As boas intenções acabam por não salvar “Divino Amor” de ser um filme que acredita estar sendo muito inteligente, quando, na verdade, constrói um universo com valores estéticos e conteudísticos apenas para reafirmar a importância da laicidade do Estado e lançar um olhar um tanto quanto óbvio para um tenebroso futuro que se avizinha. É pouco.

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