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É Preciso Uma Aldeia

É Preciso Uma Aldeia

Humor político excessivamente controlado

Wallace Andrioli - 9 de junho de 2022

É Preciso Uma Aldeia é estruturado como um conto moral sobre questões candentes na Europa contemporânea, especialmente em alguns países da porção leste do continente, onde a extrema-direita tem grassado com maior êxito, inclusive, em alguns casos, chegando ao poder (Hungria e Polônia são os exemplos mais alarmantes). O pequeno vilarejo tcheco no qual o enredo transcorre, portanto, funciona como epítome de um conjunto maior de povos e Estados que cada vez mais recorrem ao medo do diferente para gerar coesão social e, ao mesmo tempo, perpetuar determinados projetos políticos.

O diretor Adam Rybanský opta por um tipo de comédia que muitas vezes remete ao cinema tcheco dos anos 1960, especialmente aos filmes de Milos Forman – até pela profissão dos protagonistas, além, claro, da relação com o gênero, O Baile dos Bombeiros (1967) vem logo à mente. É Preciso Uma Aldeia busca a todo tempo ressaltar a dimensão patética de seus personagens, apresentados como burros e estranhos, vítimas fáceis de teorias da conspiração que circulam na internet, sempre prontos a reproduzir os piores preconceitos e frequentemente incapazes de prever corretamente as consequências de suas ações. Algumas escolhas estilísticas de Rybanský reforçam essa representação: planos gerais com os personagens nos cantos da imagem, muitas vezes alinhados como uma espécie de bando de trapalhões; planos de conjunto que buscam, ao enquadrarem várias ações simultaneamente, destacar o caos que predomina no lugar; a trilha sonora com instrumentos de sopro que, com seus acordes graves e pesados, acentuam o tom patético predominante.

O problema é que, ao estabelecer como norma o comportamento estúpido de quase todos no filme, Rybanský cria um determinismo que tolhe a capacidade da narrativa de criar respiros de surpresa – e esse é, afinal, um elemento fundamental para o bom funcionamento do humor. A proposta de submeter o desenrolar da história a um sentido moral, a uma mensagem, gera um comentário político desprovido de qualquer sutileza, ainda que justo. Tudo é por demais telegrafado, esperado, não se abre uma mínima possibilidade de um desvio de rota que torne os personagens um pouco mais complexos.

Daí resta um ou outro momento realmente engraçado, que só aparece quando É Preciso Uma Aldeia se permite um pouco de desprendimento dessa teleologia da mensagem, como na cena do sexo com vinagre. No fim das contas, o erro maior do diretor é tentar fazer uma comédia sobre a instalação do caos numa sociedade a princípio em ordem sem recorrer a um mínimo de anarquia na estruturação da narrativa.


Texto escrito para nossa cobertura para o festival Olhar de Cinema 2022. Para acessar a página da nossa cobertura, clique aqui.

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