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El Camino: A Breaking Bad Film

El Camino: A Breaking Bad Film

Epílogo justo e merecido para um grande personagem

Wallace Andrioli - 13 de outubro de 2019

A princípio, “El Camino: A Breaking Bad Film” poderia tranquilamente ser o episódio final de “Breaking Bad”. A série sempre foi sobre Walter White (Bryan Cranston) e Jesse Pinkman (Aaron Paul) e seu encerramento oficial, há seis anos, concluiu de forma satisfatória as trajetórias dos dois. A despedida de Jesse ocorreu em tom de libertação catártica, com o sujeito dirigindo sem rumo após a morte de Walter e de seus sequestradores. No entanto, num impulso realista, o roteirista e diretor Vince Gilligan parece ter se incomodado com essa aparente liberdade conquistada pelo personagem. E as consequências de todos os crimes cometidos, de sua ligação com o poderoso Heisenberg? “El Camino” busca responder a essa pergunta, atentando para as minúcias do day after de um homem manipulado, ao longo de um par de anos, por seu ex-professor de química e escravizado, durante alguns meses, por neonazistas traficantes de drogas.

O filme se desenrola em duas dimensões. A primeira, a do presente, lida com a superação do trauma. Nela o tempo se estende e Gilligan se dedica aos detalhes. Os riscos existem, mas parecem cada vez menos ameaçadores a Jesse. Isso em razão do contraponto feito com a segunda dimensão, a passada, na qual reina o absurdo e a crueldade. Quem sobreviveu à psicopatia de Todd (Jesse Plemons, excelente, dono de alguns dos melhores momentos de “El Camino”), não poderia ser simplesmente subjugado por um grupo de metidos a espertalhões como o liderado por Neil (Scott MacArthur).

A ótima cena do duelo à lá western é exemplar disso. O sujeito frágil, quebrado, humilhado do início vai se tornando alguém endurecido, capaz de resolver com frieza situações de aparente desvantagem. A existência desse arco pode soar óbvia, mas a construção do trajeto é feita por Gilligan sem grandes saltos, sem mudanças bruscas. Afinal, a verdadeira transformação de Jesse se deu ao longo dos cinco anos da série. Em “El Camino”, se trata simplesmente do despertar do personagem para uma realidade que ainda não é de total liberdade. Ao filme é permitido acompanhar com paciência o rapaz abandonando a letargia compreensivelmente experimentada, se dando conta do que precisa ser feito para que o recomeço seja efetivamente possível.

Daí fazer bastante sentido que o encontro com o personagem de Robert Forster represente o momento em que Jesse Pinkman parece correr mais perigo. Não pelo sujeito ameaçar fisicamente o protagonista, mas por se mostrar verdadeiramente indobrável, senhor da situação. Trata-se de outro remanescente de “Breaking Bad”, homem marcado pela vida, que também soube lidar de forma implacável com Walter White (nos episódios derradeiros da série). Funciona a lógica de que só quem passou pela jornada exaustiva e dolorosa de “Breaking Bad” tem legitimidade para ser representado com atributos positivos em “El Camino”. Isso vale também para os velhos amigos de Jesse, Skinny Pete (Charles Baker) e Badger (Matt Jones), portadores de uma adorável dignidade, e mesmo para Todd, vilão estranhamente fascinante (e de fato ameaçador). Serve ainda como homenagem ao espectador da série, a sua relação de proximidade com esses personagens alimentada ao longo de cinco anos. Para Gilligan, esse espectador é também um forte.

No fim, é sobre essa relação já estabelecida com Jesse Pinkman que “El Camino” se ergue. O afeto pelo protagonista, estabelecido em “Breaking Bad”, ressurge com força no filme, que, no limite, existe tanto para oferecer a Jesse um epílogo todo seu, extrapolando a catarse do último episódio e assegurando a liberdade desejada; quanto para presentear os fãs da série com mais duas horas na companhia de uma figura querida. O grande mérito de Gilligan aqui, no entanto, é não mergulhar na pura nostalgia, não fetichizar o passado de um programa já encerrado com brilhantismo. “El Camino” evita o que se tornou icônico em “Breaking Bad”. Walter aparece apenas num breve flashback e não há nenhum sinal de suas frases de efeito, por exemplo.

Nesse sentido, “El Camino” funciona muito bem como filme. Estabelece todas as conexões necessárias com a série da qual deriva, mas evita excessos, é coeso e absolutamente dedicado a seu protagonista e ao objetivo de lhe dar um destino justo. Jesse Pinkman sempre foi um grande personagem. Sem ter que lidar com a sombra ameaçadora de Walter White, se revela ainda maior. É acertado e importante, portanto, que “El Camino” seja mais que um mero episódio final de “Breaking Bad”.

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