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Festival Ecrã – Vortex; Rochas Em Forma de Vento; 1048 Luas

Festival Ecrã – Vortex; Rochas Em Forma de Vento; 1048 Luas

Matheus Fiore - 17 de julho de 2018

“Vortex”, de Alexandre Alagôa – ★★★★

Se a proposta do Festival Ecrã é justamente fazer um recorte de filmes que dificilmente teriam espaço no circuito comercial ou nos principais festivais de cinema, abrir com Vortex foi uma escolha precisa. O curta português de nove minutos chega a lembrar, de certa forma, Serene Velocity, curta de Ernie Gehr que experimenta o poder das lentes de uma câmera.

Vortex mostra um corredor de um apartamento que é visto por meio da tela de um interfone. A câmera aos poucos afasta-se até revelar que estamos assistindo a uma mesma imagem em looping, trazendo algumas variações de iluminação e ângulo. É, assim como Serene Velocity, um curta dedicado apenas a uma experimentação que fortalece uma ideia – no caso, a claustrofobia.

As múltiplas variações de movimentos criados a partir de imagens de um mesmo corredor criam uma sensação de aprisionamento que não é quebrada, inserindo o espectador em uma espiral de imagens aceleradas que criam tensão pela sensação de infinidade. Apesar de curto, é um exemplar poderoso de como a montagem e o som podem criar uma experiência imersiva sem a necessidade de um grande leque de imagens.

“Rochas Em Forma de Vento”, de Eduardo Makoszay – ★★★

Há muito ouvi de um amigo fotógrafo uma frase interessante: “quando for a um ponto turístico e estiver prestes a tirar uma foto, antes dê um passo para trás”. A intenção é enquadrar não somente o objeto que todos ali estariam para registrar, como seria com o Cristo Redentor no Rio de Janeiro ou as pirâmides de Guizé, no Egito, mas fazer um registro de como as pessoas que ali estão reagem diante desses lugares.

Rochas Em Forma de Vento, que começa parecendo um documentário, faz algo parecido. O registro inicial é de pessoas maravilhadas com a beleza de uma geleira. Logo, porém, o documentário é subvertido em uma estranha trama de invasão alienígena na qual pessoas alternam o protagonismo com cavalos.

O mais interessante no filme de Makoszay é como a narrativa parece partir sempre dos registros de uma câmera, que são acessados desordenadamente e, em certo ponto, sobrepostos. Imagens de diferentes locais se sobrepõem e criam efeitos visuais psicodélicos. Em certo ponto, porém, a obra parece estar mais interessada em instigar o público a teorizar sobre os eventos do que em criar uma experiência sensorial. Há também uma superexposição de elementos da narrativa, que entregam mais do que era necessário – há um noticiário explicando a relação entre humanos e cavalos que tira boa parte da graça do filme.

Entretanto, a pretensão de ser mais confuso do que perceptual de forma alguma diminui os méritos de Rochas Em Forma de Água, que ao longo de seus 44 minutos consegue criar uma narrativa desafiadora. O grande porém é que, em meio a uma profusão de imagens tão aleatórias quanto fascinantes, tentar criar um fio condutor para a construção de sentido mais parece um desperdício da experiência intuitiva e pessoal que é proporcionada pela obra. Ao criar esse fio condutor, Rochas Em Forma de Água reduz nossa criatividade e, portanto, torna objetivo o que era muito mais atraente quando subjetivo.

“1048 Luas”, de Charlotte Serrand – ★★★★★

1048 Luas acompanha um grupo de mulheres (Briseis, Phyllis, Oenone, Hero e Penélope) que, isolado em uma ilha, aguarda pelo retorno de seus amados, guerreiros como Ulisses e Aquiles, que partiram para a Guerra de Tróia. A obra é um interessante contraponto às conhecidas e grandiosas histórias de batalhas que são tão comuns na mitologia.

A clara inversão de escopo – afinal, o comum é acompanharmos sempre os feitos heróicos dos guerreiros e ignorarmos suas companheiras – traz um viés feminista implícito sem tornar a obra panfletária. Na verdade, o filme de Serrand está mais interessado em tratar com humor as situações das mulheres na ilha.

Tecnicamente, merece elogios o trabalho de fotografia, que utiliza lentes que chapam o fundo do plano, fazendo com que o mar que cerca a ilha se pareça com um muro. A água, portanto, é parte fundamental do confinamento daquelas personagens. Abandonadas, as quatro moças se tornaram reféns justamente do elemento que simboliza a vida.

Na prisão onde estão, resta às mulheres ali retratadas refletir sobre seus papéis no mundo e constatar que, enquanto seus maridos vivem, elas apenas esperam e deixam suas vida passar. Não é por acaso, portanto, que o figurino fortaleça a relação com a mitologia grega, fazendo aquele universo entrar em contraste quando uma das moças descobre um rádio na praia – o que faz parecer que Aquiles, Leander, Demophon e cia. já morreram há muito, e aquelas mulheres acabaram ficando presas ao tempo enquanto o mundo se transformou.

Também não é por acaso que a única mulher que não busque escapar do confinamento seja a mais velha do grupo. É como se Serrand brincasse com a dificuldade das gerações mais antigas de abraçar as mudanças e lutar pela liberdade. Um filme irônico, referencial e sutil.


Para ler nossos textos dos outros dias do Festival Ecrã, clique aqui.

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