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Godzilla II: Rei dos Monstros

Godzilla II: Rei dos Monstros

Continuação mais focada na pancadaria funciona, mesmo que tenha drama insípido

Matheus Fiore - 28 de maio de 2019

O “Godzilla” de 2014 é um filme bastante interessante, mas acabou mal visto por muitos por não atender às expectativas de parte do público. Em vez de fazer uso da tecnologia da época para proporcionar duas horas de puro massacre entre seres monstruosos de proporções gigantescas, a obra de Gareth Edwards (“Rogue One: Uma História Star Wars”) foca em tornar seu Godzilla uma força da natureza, um ser que surge, de tempos em tempos, como uma solução para alguma questão mundana.

A ideia funciona, já que Godzilla contracena com os humanos sempre em cenas de catástrofes, como se ele fosse uma metáfora materializada em meio às pessoas. É, da perspectiva dos desastres que permeiam a narrativa, uma escolha narrativa bem interessante. Mesmo que Godzilla não apareça tanto, a opção por esconder o monstro faz com que suas aparições sempre sejam mais impactantes. Porém, uma consequência desse foco no estudo do processo natural de transformações do mundo cobra seu preço: Edwards não trabalha com a mesma qualidade os dramas pessoais norteados pelo militar vivido por Aaron-Taylor Johnson e por seu pai, interpretado por Bryan Cranston.

Chegamos ao novo filme da saga: “Godzilla II: Rei dos Monstros”. Agora sob a direção de Michael Dougherty, que é mais conhecido por seus trabalhos como roteirista em “X-Men 2” e “Superman: O Retorno”, a saga ganha um investimento pesado tanto nos monstros quanto no drama humano que conduz a história. Aqui, acompanhamos as dores da família composta por Mark (Kyle Chandler), Emma (Vera Farmiga) e Maddison (Millie Bobbie Brown). Separados após traumas vividos durante os desastres da obra anterior, a reunião da família se torna o mote que conecta humanos e monstros.

Na parte dos monstros, o “Godzilla” de Dougherty traz uma abordagem diferente da de Edwards, o que dificulta a comparação. Quanto ao drama, mesmo que o roteiro tenha uma maior preocupação em tornar os dramas dos personagens mais palpáveis, a escolha acaba não funcionando. Os relacionamentos humanos de “Godzilla” eram superficiais justamente por ser a proposta de um longa-metragem focado na efemeridade da nossa existência diante da presença de seres tão grandiosos quanto Godzilla e seus inimigos. Em “Godzilla II”, porém, o drama humano acaba tendo maior importância, já que a trama gira em torno do possível reencontro da família separada.

Dougherty organiza seu filme em confrontos do bem contra o mal: de um lado, Godzilla e os humanos que tentam impedir o fim da humanidade; do outro, monstros como Ghidorah e Rodan tentam destruir o mundo enquanto um grupo de ecoterroristas liderados por Jonah (Charles Dance) tenta libertar todos os monstros possíveis para facilitar esse apocalipse. O problema é que os confrontos humanos sempre giram em torno de um núcleo familiar extremamente superficial e subdesenvolvido, o que faz com que todas as apostas de dramatização sobre os acontecimentos sejam o mais pueris possíveis. Para piorar, uma série de conveniências é apresentada apenas para tentar tornar mais importante a participação dos humanos no confronto titânico.

Outro sério problema do núcleo humano é o excesso de mastigação do roteiro (que Dougherty co-escreve com Zach Shields) que está, o tempo inteiro, inserindo o espectador em meio a diálogos em que todos possuem algo para explicar. Desde a mitologia dos seres, que aos poucos deixa de ser algo interessante para se tornar repetitivo, até os planos dos vilões e contextualizações para os acontecimentos, tudo acaba sendo estabelecido de forma tão simplória pelo roteiro, que, em alguns momentos, os personagens adotam posturas professorais, com direito a quadros negros digitais nos quais só falta mesmo que alguém escreva o que está acontecendo.

Ao ler tudo isso, você deve, então, se perguntar: por que diabos “Godzilla II” recebeu uma cotação tão alta, se apresenta tantos problemas de construção de personagem e drama? A resposta é simples: a proposta do filme não depende apenas de seu drama para funcionar. Se, no anterior, o pobre núcleo humano é apenas uma nota de rodapé quando posto ao lado das metáforas sobre natureza e transformação que os monstros trazem, no novo filme, o mesmo problema acaba sendo também apenas uma nota de rodapé próxima das absurdas cenas de ação construídas por Dougherty.

O que “Godzilla II” alcança é raro no atual cinema de blockbuster: por meio de cenas que dependem exclusivamente de efeitos digitais para criar seus personagens e cenários, o filme cria imagens dramática e visualmente impactantes. A impressão de que estamos assistindo a um duelo de titãs milenares é construída com maestria em “Godzilla II”. Muitos fatores contribuem para o sucesso disso. O primeiro deles é o fato de os grandes encontros entre os monstros surgirem sempre para concluir importantes momentos dramáticos dos personagens humanos, então Godzilla, Ghidorah e outros monstros surgem quase como uma materialização dos conflitos pessoais que ali existem.

Fatores estéticos, porém, são imprescindíveis para o sucesso das cenas de ação do filme. Dougherty mantém algumas escolhas visuais de Edwards e utiliza muitas câmeras próximas dos corpos dos personagens, filmando os monstros de baixo e ajudando a enaltecer seus corpos imponentes. O fato de boa parte das cenas se passar durante tempestades também ajuda, resgatando a ideia do longa anterior de que esses monstros surgem como forças da natureza, algo que o vilão chega a incorporar ao agir como um verdadeiro maestro das tormentas que assolam os cenários do ato final. A escala épica é bem estabelecida, portanto, mesmo que às custas de um esvaziamento dramático ainda mais intenso do que no longa de 2014.

É curioso notar como os monstros funcionam bem melhor que os humanos, pois, dessa forma, as relações entre Godzilla, Monthra, Rodan & Cia. acabam sendo mais verossímeis do que as que existem na família protagonista da narrativa. Por um lado, essa diferença enfraquece parcialmente o drama do filme, mas, por outro, permite que as mordidas, rugidos, bater de asas e raios disparados pelas bocas dos bichos ganhem mais destaque. Na prática, o que “Godzilla II” consegue é tornar os humanos coadjuvantes do monstro-título, para que este, sim, protagonize a batalha pela salvação do planeta, algo que se torna bastante interessante por constatarmos que, nessa obra, o real, o que de fato é mundano, se torna apenas uma escada para que o que é falso, computadorizado, possa brilhar.

Por mais que tenha quedas de ritmo sempre que troca o núcleo dos monstros pelo núcleo humano, “Godzilla II” é um filme extremamente competente em sua proposta principal, que é proporcionar um deleite visual para aqueles que buscam ver monstros maiores que prédios digladiando pelo posto de “rei” da Terra. Em comparação ao seu antecessor, “Rei dos Monstros” melhora os pontos positivos, mas intensifica os pontos negativos. Há um claro esvaziamento de ideias, já que toda a metáfora da efemeridade da raça humana diante dos ciclos da natureza é substituída por sequências de ação mais diretas e blockbusterísticas.

É triste ver que um personagem que surgiu cheio de simbolismo cultural não consiga encaixar uma boa metáfora para os tempos atuais em sua última versão, mas, caramba… Como é bom ver Godzilla e Ghidorah trocando mordidas e raios de energia em meio às ruínas de Boston.

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