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Guardiões da Galáxia

Guardiões da Galáxia

Matheus Fiore - 23 de abril de 2017

O que se busca em um filme de super-heróis inspirado em gibis? Você pode pensar no elemento que quiser e, muito dificilmente, ele não estará bem representado em Guardiões da Galáxia Vol. 2. Quer ação? Check. Aqui temos sequências empolgantes em lindíssimos planos longos e extremamente dinâmicos. Quer humor? Veio ao lugar certo. Com piadas que agradarão à todas as faixas etárias, com diferentes tons, camadas e referências (ah, as referências), é uma obra repleta de comédia. Quer romance? Tá na lista, não há nada mais fofo do que ver Gamora e Peter Quill conversando por olhares. Quer um vilão carismático e protagonista de diversos momentos memoráveis? Sim, James Gunn também trouxe isso. Quer coadjuvantes tão carismáticos que, ao fim do filme, você sonhará com spin-offs explorando cada um deles com mais detalhes? É, também tá aqui. Mais precisamente, em ao menos cinco desses coadjuvantes.

Três anos após o maior acerto da Marvel nos cinemas, Guardiões da Galáxia, eis que o estúdio traz, com James Gunn, a continuação quase perfeita de um dos mais divertidos e irreverentes blockbusters da década. Como dito no parágrafo acima, a obra traz praticamente tudo que um bom filme de comédia/aventura precisa trazer, em uma narrativa sutil, arrojada e acertadamente focada no sentido de família. O que é família? Família, afinal, se limita à nossos laços biológicos, ou engloba quem escolhemos amar e ter ao nosso lado? A trama acompanha a equipe composta por Peter Quill, Gamora, Groot, Rocket e Drax. Os Guardiões agora trabalham como “heróis-contratados”, realizando pequenos trabalhos pela galáxia, até que um dia, ao fugir de um desentendimento resultante de um furto, o quinteto acaba sendo “abduzido” por Ego (Kurt Russell), o misterioso pai de Quill.

Desde os momentos iniciais vemos a marca de Gunn sobre sua obra. O humor leve contrastado com o visual chamativo destaca instantaneamente a “sub-franquia” do resto do universo Marvel. E apesar de ser visto por muitos como um filme de “ação”, Guardiões Vol. 2 faz questão de nos mostrar que o foco sempre foi a comédia. Em uma das cenas que abrem o longa, por exemplo, acompanhamos a equipe inteira enfrentando um monstro gigante enquanto Groot dança pelo cenário, eventualmente trombando em seus companheiros e no próprio monstro. Fugindo do convencional, Gunn evita travar sua câmera em combates efêmeros recheados de computação gráfica e expõe o que é a alma de seus personagens: o carisma. Quantos diretores teriam a coragem de, durante uma enorme cena de ação, travar sua câmera apenas no único elemento que não participa do combate?

E não só nas escolhas de tom dramático Gunn se destaca. Sua inteligência é perceptível ao utilizar a computação gráfica sem tornar a obra fria e datada como Transformers, que é recheado de bonecos sem vida. Todo o design de produção compactua com os efeitos, tornando tanto cenários quanto trajes extremamente vívidos e críveis. Um carinho que, muitas vezes, falta à diretores e filmes “matemáticos” demais. O excesso de cores e formas está lá, na verdade, para transformar o filme em um verdadeiro “quadrinho animado”. E tal escolha não poderia ser mais acertada. Se Zack Snyder desaprendeu a usar o slow motion e transformou-se em mais um diretor de videoclipes genérico, o responsável por Guardiões Vol. 2 faz o contrário e, pela câmera lenta, não só traz diversos momentos de humor, como proporciona quadros lindos, extraídos diretamente das revistinhas da equipe, e que dão vontade de imprimir para colar na parede.

Mas, voltando à narrativa principal, é admirável como ela sabe espalhar sua temática por diversos núcleos e tornar todos eles interessantes. Os personagens são divididos em três sub-equipes. Na liderada por Quill, que visita a casa de Ego, vemos o florescer de uma relação paterna que muito faltou ao protagonista em sua infância. A cena em que ele e o personagem de Kurt Russell jogam bola, além de hilária, é de um simbolismo admirável. Ainda neste núcleo há a relação entre Gamora e Nebulosa, onde o roteiro acerta ao cimentar todo o ódio que a vilã sente por sua irmã para sutilmente sugerir ao público que o problema sempre foi a falta de amor. Mas é nos “quebrados” Drax, Rocket e Yondu que o filme se sobressai.

Fazendo não só estes três estranhos personagens terem uma profundidade emocional admirável para o posto que ocupam (coadjuvantes em um longa com dezenas de personagens), o filme ainda é capaz de faze-los ter seus próprios momentos de protagonismo tanto em cenas de humor quanto em cenas de ação. Como resultado, Gunn é extremamente feliz ao administrar e desenvolver, no mínimo, oito de seus personagens, em uma obra com pouco mais de duas horas de metragem. Mas, há de se destacar principalmente a relação do protagonista com Yondu, seu “pai adotivo”, que acaba sendo ferramenta para uma lindíssima análise de paternidade e amor a partir do segundo ato do filme (era normal que, mesmo sendo um “vilão”, Yondu sentisse ciúmes da relação de Quill com Ego). Curiosamente, o único personagem que não demonstra fragilidade emocional alguma é justamente o vilão, que, incapaz de entender o conceito de família ou amor, é fotografado com uma iluminação azul combinada com tons escuros e sombras no momento em que se “expressa afetivamente”.

Como esperado, James Gunn fez seu dever de casa e trouxe mais uma coletânea de músicas consagradas para a trilha. Dessa vez, porém, não há um foco na década de oitenta. Vemos, por exemplo, a lindíssima My Sweet Lord, do saudoso George Harrison, que é de 1971. Esta, aliás, é a mais bem inserida canção dessa continuação, visto que é um retrato perfeito da personalidade autoindulgente, prepotente e arrogante do personagem que comanda o momento do filme em que a faixa é tocada. Já a trilha composta para o filme decepciona um pouco. Em momentos de clímax, usa escalas e arranjos que sugerem um tom épico que não combina com as passagens tensas e dramáticas que são projetadas. Tais cenas, aliás, pediam o oposto, uma trilha minimalista, com arranjos mais sutis e melancólicos.

Não dá para dizer que a Marvel arriscou algo com esse filme. Se analisarmos friamente, sua estrutura é a mesma de quinhentos outros filmes do gênero. Mas seria injusto desmerecer a obra por isso. Guardiões da Galáxia Vol. 2 aproveita o cenário criado por seu antecessor e, de forma bem-sucedida, expande o universo, aprofunda seus personagens e entrega o mais irreverente e bem-humorado blockbuster do ano até aqui. Se no resto do Universo Cinematográfico da Marvel (principalmente em Doutor Estranho) o excesso de piadas incomoda por enfraquecer a parte dramática das obras, a franquia de James Gunn faz diferente. O humor não está lá para “amaciar” a obra, o humor É a obra. Obrigado, Marvel. Continuamos hooked on the feeling.

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