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Halloween

Halloween

Continuação do clássico de John Carpenter é eficiente, mesmo que não mantenha seu foco

Matheus Fiore - 23 de outubro de 2018

Fazer uma continuação de um clássico é sempre um desafio. Podemos citar alguns casos bem sucedidos, como “Blade Runner 2049“, que honrou o filme de Ridley Scott e conseguiu, nas mãos de Denis Villeneuve, expandir o universo e os conceitos da obra original, ou até mesmo “Aliens: O Resgate”, que, com a troca de direção (Ridley Scott cedeu lugar a James Cameron), o terror espacial passou a dividir terreno com uma ação de primeira linha. Porém, há também os casos desastrosos, como o “O Exorcista II: O Herege”, que se limita a repetir a trama do clássico de William Friedkin.

O clássico “Halloween”, claro, também passou por isso. Nove vezes, para ser mais preciso. Mas o filme de 2018, dirigido por David Gordon Green, decide ignorar todos os nove antecessores e continuar diretamente de onde a obra original terminou. John Carpenter, diretor do clássico que, ao lado de “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), deu vida ao subgênero slasher, volta como produtor do longa atual, dirigido por David Gordon Green, que retoma o embate entre Michael Myers e Laurie Strode quarenta anos após os aterrorizantes eventos do dia das bruxas de 1978.

Diferente de boa parte das continuações do gênero, o “Halloween” de 2018 não se contenta apenas em repetir a fórmula e as situações do filme de 1978. O roteiro de Green, Danny McBride e Jeff Fradley cria uma relação de causa e consequência: todos os personagens da continuação são resultado dos traumas e acontecimentos do filme original. Há, portanto, além do monstro Michael Myers, o monstro criado pelo próprio serial killer, que é a própria Laurie, uma pessoa marcada pelo inferno que viveu quando adolescente, e que passou a dedicar sua vida a estar pronta para um possível novo ataque de Myers.

A relação de gato e rato, então, é subvertida em um duelo de monstros – algo semelhante ao que foi feito com Ripley em “Aliens: O Resgate”. Laurie chega a ser, inclusive, referenciada como um monstro em alguns momentos. Há também passagens em que a personagem é protagonista de cenas marcantes que reconstroem acontecimentos da obra de 1978, mas com a personagem de Jamie Lee Curtis no lugar do assassino mascarado – em uma delas, em 78, Laurie observa, da janela da sala de aula, o serial killer do outro lado da rua, enquanto, em 2018, a neta de Laurie observa sua avó da mesma forma, na mesma situação.

A monstruosidade de Laurie, portanto, torna-se o coração da trama. Afinal, o trauma moldou não só a mulher, mas sua filha (Karen), neta (Allysson) e a relação entre as três. Infelizmente, é justamente por causa da relação entre este trio feminino e as jornadas individuais de cada uma que “Halloween” derrapa, já que há pouquíssimos diálogos que sustentem o relacionamento entre as mulheres, e há um claro conflito de tons – assunto que será explorado mais a frente. A própria condição psicológica de Laurie, que poderia render paralelos interessantes com os distúrbios mentais de Michael Myers, é pouco aproveitada e surge não como um tema a ser desenvolvido, mas como uma característica isolada.

Em relação a seu serial killer, “Halloween” repete com eficiência a lógica visual da obra de 1978. O personagem, quando sem máscara, nunca tem seu rosto completamente exposto. Seja pelo enquadramento que oculta a face ou por uma fotografia que não deixa Myers ser completamente iluminado, o fato é que o rosto humano do assassino é sempre escondido a fim de manter a aura desumana criada na obra original. O único rosto real de Michael Myers, o único que de fato importa, é a máscara – e isso rende momentos muito perspicazes, como quando Myers está adormecido com a máscara caída ao lado, e, ao olhar para o vilão, um personagem procura não o homem, mas a máscara.

Apesar das referências e do interesse por reviver boa parte das ideias do original, o “Halloween” de David Gordon Green tem um grande diferencial em relação ao clássico: a atmosfera. E infelizmente é um diferencial negativo. O filme de Carpenter é extremamente simples: poucos personagens e uma decupagem que pega o espectador pela mão até um clímax extremamente violento e impactante. Então, há um preparo feito ao longo de quase uma hora para que o público seja de fato impressionado pela conclusão. Já a obra de Green é vítima de vícios do cinema hollywoodiano do século XXI. O humor, por exemplo, está presente em boa parte da projeção. Portanto, não há uma construção constante de clima que converge para uma apoteose dramática no terceiro ato. É claro que o simples fato de haver humor não é um problema, mas a estrutura de “Halloween” converge para que haja um crescendo dramático que é sempre quebrado pelo alívio cômico.

Outro grave problema é a indefinição de um olhar principal para a trama. “Halloween” alterna entre dois focos: Laurie e sua neta, Allysson. Isso resulta em uma alternância de jornadas que quebra não só o clima – toda a aventura amorosa adolescente de Allysson é totalmente deslocada e não se amarra nem com o desenvolvimento da própria personagem, nem tampouco com a conclusão da trama –, como também afasta a narrativa do terror. Cenas de grandes massacres promovidos por Michael Myers são alternados com momentos de adolescentes paquerando ou discutindo por ciúmes, o que rompe completamente com a atmosfera soturna almejada.

“Halloween” ainda tem alguns outros pontos positivos. A forma como Michael Myers se porta faz com que o personagem continue parecendo uma força maligna da natureza. O assassino sempre age de forma impetuosa e é filmado de forma interessante, tanto pelo uso de contra-plongées que engrandecem o já enorme serial killer, quanto pelo uso da luz, que muitas vezes desenha a silhueta do personagem. É uma pena que até esses momentos sejam precedidos ou seguidos por piadas que arruinam completamente a densidade da narrativa. Nada poderia ser mais anticlimático do que uma cena de extrema violência ser seguida por um diálogo com piadas sobre… Sanduíches e bolinhos.

Com problemas conceituais tão sérios – a escolha de alternar terror com humor acaba fazendo com que os gêneros se anulem –, “Halloween” é um filme que, apesar de conseguir evocar boas características da obra clássica e trazer um vilão imponente, tropeça nas próprias pernas. É triste ver como cenas tão brutais se acompanham de dramas adolescentes totalmente infrutíferos. Mais triste ainda é ver como essa alternância não só prejudica ambos os fios narrativos, como também impede que a trama de vingança de Laurie seja algo além de uma motivação superficial e subaproveitada. “Halloween” até respeita o legado do clássico slasher e consegue imprimir certa personalidade, mas parece não entender que dois dos grandes trunfos do longa de 78 são sua simplicidade e sua crescente tensão, dois elementos que são displicentemente menosprezados. Portanto, a obra de David Gordon Green até é um blockbuster com muitos méritos e capaz de entreter, mas parece não compreender a importância da construção atmosférica na obra original, o que faz com que seus elementos próprios não conversem – e até anulem – os elementos oriundos da obra de 78.

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