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Homem-Aranha: Longe de Casa

Homem-Aranha: Longe de Casa

Uma longa jornada de amadurecimento com poucos aprendizados

Matheus Fiore - 2 de julho de 2019

Por ser o mais jovem dos heróis do Universo Cinematográfico da Marvel, é comum que o Homem-Aranha constantemente protagonize obras que falam sobre amadurecimento. Em “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”, a premissa é justamente essa: Peter Parker precisa administrar seus deveres e responsabilidades como herói com a vida escolar de um adolescente ainda jovem demais para lidar com todas as questões do mundo. O novo filme da saga, “Homem-Aranha: Longe de Casa”, repete bastante dessa proposta, e acrescenta algumas novidades aqui e ali para conseguir maior efeito dramático.

Dessa vez, Peter está em uma viagem com os colegas de escola pela Europa. Durante suas passagens por Praga, Londres e Veneza, o herói terá que abandonar o passeio, e os importantes momentos ao lado de MJ, por quem está apaixonado, para ajudar Nick Fury, Maria Hill e Mysterio em uma missão para deter os elementais, seres que ameaçam a segurança do mundo. Dirigido por Jon Watts, que também assina o anterior, o filme aposta nessa jornada de Peter para entender seu lugar no mundo para estruturar sua trama. É interessante observar que o roteiro, buscando valorizar a imaturidade de seu protagonista, faz de alguns de seus erros o pilar de eventos negativos do filme. A grande virada que empodera o vilão, por exemplo, só ocorre por um mau planejamento do próprio Homem-Aranha, o que fortalece a ideia de que assistimos a uma jornada de amadurecimento e aprendizado.

Outra ideia bem encaixada na série é o fato de Peter estar em uma viagem de férias quando é abordado por Fury para se juntar ao agente. Fica nítido, no momento, a diferença entre o processo de amadurecimento vivido por Peter em “De Volta ao Lar” e em “Longe de Casa”. No longa-metragem de 2017, Peter aprendeu que sua rotina não existia independentemente da vida como super-herói, e sim juntamente. Mas, na nova aventura, a ideia central é a de que Peter não pode fugir de suas responsabilidades. Afinal, a ideia do jovem era ir para a Europa sem nem mesmo levar seu uniforme vermelho e azul, a fim de viver apenas como um adolescente que quer curtir com seus amigos e se aproximar de sua amada, algo que é constantemente quebrado ao longo da projeção.

O que acaba impedindo que o filme obtenha sucesso em seu estudo sobre o crescimento de Peter é a ausência de consequência nos atos. Por exemplo, comparemos “Homem-Aranha: Longe de Casa” com o segundo “Homem-Aranha” de Sam Raimi. Há uma cena na qual o Peter Parker de Tobey Maguire vai ao teatro para prestigiar uma peça protagonizada por Mary Jane. No meio do caminho, porém, Peter precisa abandonar seus planos e enfrentar alguns ladrões que surgem pela cidade. O resultado é brutal: Peter se afasta de Mary Jane enquanto o filho de J. Jonah Jameson se aproxima, e, mais tarde, Jameson acaba pedindo Mary Jane em casamento. Já em “Longe de Casa” também há uma cena de teatro, na qual Peter deveria, supostamente, sentar-se ao lado de MJ, mas a abandona para cumprir seus deveres heróicos. O que acontece, porém, é bem distante de uma consequência negativa: MJ também abandona a peça e vai até Parker, que, no fim das contas, é recompensado com um diálogo que acaba sendo extremamente importante para a trama.

“Longe de Casa” parece tão preocupado em mostrar os efeitos de ser um adolescente com responsabilidades de adulto que se esquece de nos mostrar as consequências dos constantes dilemas da vida dupla de Parker. Mesmo que haja o já citado momento do empoderamento do vilão, resultante dessa falta de maturidade do protagonista, de resto, o filme prefere sempre enfrentar para as dificuldades de Peter com um olhar humorístico, algo que se esgota rápido e que simplesmente repete o tom e a fórmula de “De Volta ao Lar”. É uma triste constatação, por exemplo, que Peter Parker encerre o filme basicamente no mesmo lugar onde começou. Não há grandes aprendizados e arcos; a única mudança de fato é no que tange aos relacionamentos do personagem, mas não à sua forma de se comportar perante o mundo.

Sobre o vilão, este acaba também sendo desperdiçado, apesar de ser um dos pontos altos do filme por sua teatralidade assumida, que rende algumas ideias e escolhas visuais bem interessantes, como o fato de se revelar pela primeira vez em um palco e ter um teatro como quartel-general. Mesmo que, assim como no longa anterior, a figura antagonista tenha boas motivações e consiga apresentar um belo contraponto físico ao herói, aqui há pouca conexão de sua narrativa própria com o a do protagonista.

 

Se, em “De Volta ao Lar”, tudo que dizia respeito ao Abutre estava diretamente ligado à trajetória de Peter, em “Longe de Casa”, o vilão tem uma coleção de conceitos e ideias importantes (tanto na mencionada teatralidade quanto nas suas motivações ideológicas), mas que nunca são amarradas à ideia de amadurecimento e responsabilidade que permeia a narrativa principal. É como se o vilão existisse em um universo próprio, que pouco conversa com a história da obra se não por elementos extremamente superficiais do roteiro, que claramente existem apenas para forçar a conexão entre as partes.

No fim das contas, mesmo que bem municiado pelo humor pasteurizado típico da Marvel, “Homem-Aranha: Longe de Casa” é um filme que parece ter uma visão ainda mais imatura do que a de seu protagonista de 16 anos. É incapaz de refletir e tirar aprendizados de seus próprios erros e, por isso, está fadado a ser tão episódico quanto um episódio de uma sitcom. É como se assistíssemos a um episódio de uma novela, com direito a ganchos para o próximo capítulo e dramas vazios que não levam a lugar nenhum. Se juntarmos os últimos quatro filmes sobre o super-herói cabeça-de-teia, não há sequer um momento sobre os dilemas de ser um herói mais poderoso do que a citada cena do Peter Parker de Tobey Maguire vendo sua amada sendo conquistada por outro enquanto salvava o dia. No Universo Cinematográfico da Marvel, é tudo colorido e fofo demais, e o destino do Peter Parker de Tom Holland parece ser sempre encontrar uma maneira feliz de encerrar suas aventuras sem que tenha seu caráter e maturidade de fato testados.

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