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Jackie

Jackie

Matheus Fiore - 1 de fevereiro de 2017

No meio cinematográfico, há um termo designado para filmes feitos na intenção de obter indicações ao Oscar, os famosos “Oscar baits” (isca de Oscar). No cinema recente, podemos citar filmes como O Discurso do ReiGarota Dinamarquesa, filmes que sequer mereciam ser lembrados pela Academia, mas acabaram indicados e, no caso do primeiro, saiu vencedor da edição de 2011 do prêmio.

Vale lembrar, claro, que o termo não julga a qualidade do filme, apenas aponta uma evidente intenção de alcançar prêmios. O grande Oscar bait de 2017 é, sem dúvidas, Jackie.  Dirigido pelo chileno Pablo Narraín, a obra visa expandir o conhecimento do público acerca da vida de Jacqueline “Jackie” Kennedy, viúva do presidente assassinado John F. Kennedy.

Jackie usa como base de sua estrutura uma entrevista exclusiva que a viúva concede ao jornalista Theodore H. White (Billy Crudup), intercalando os momentos dos personagens com lembranças da protagonista (interpretada por Natalie Portman) dos momentos que precederam e sucederam o atentado ao presidente e reproduções de passagens da ex-Primeira Dama pela televisão.

A base da narrativa, que é a entrevista de Jackie, é importante para organizar os atos do filme, além de mostrar a solidez emocional construída pela viúva após os difíceis momentos que sucederam o atentado ao presidente. O figurino e a fotografia que sempre encontram tons sóbrios e posicionam a protagonista no centro do quadro enaltecem o equilíbrio e a segurança construídos para ocultar sua solidão.

As lembranças do período do atentado, porém, são irregulares. Se por um lado a direção de Larrín é inteligente ao destacar o isolamento instantâneo de Jackie ao posicioná-la no canto do quadro, de costas para o centro e distanciada dos outros personagens, como na cena dentro do avião, o filme força ao utilizar os diálogos de Jacqueline com seus filhos pequenos para emocionar o público. Igualmente irregulares são os quadros em close-up focados no rosto de Jackie que constroem a situação claustrofóbica da viúva, que em certo momento parecem apenas querer espremer emoção da atuação de Portman a fim de conduzi-la ao Oscar.

As passagens que recriam Jackie guiando um programa de televisão pela Casa Branca, porém, são não apenas uma óbvia encheção de linguiça para que o filme alcance os mínimos 90 minutos, como uma deselegante e superficial forma de, mesmo que intencionalmente, mostrar como a primeira dama era apegada à seu lar. Muito mais interessante do que isso seria construir sua personalidade, sua relação com seus filhos, e até sua admiração por seu marido. As cenas em preto e branco, recriando fielmente a passagem de Jackie pela televisão, servem apenas para enaltecer a atuação de Portman.

A atuação protagonista, aliás, é até competente, mas há perceptíveis problemas. Mesmo que recrie com fidelidade a postura vocal de Jacqueline Kennedy, Portman não impõe em sua atuação vocal a solidão e tristeza necessários para impactar em algumas cenas, mantendo sempre o mesmo tom. Há ainda inexplicáveis “furos”, quando a atriz simplesmente abandona o sotaque e sai da personagem.

Há de se destacar a boa ideia de usar câmera na mão para manter os diálogos sempre próximos do espectador, resultando em uma direção quase documental. A opção, porém, enfraquece os planos close up que tentam destacar as atuações. Não há sutileza no uso do recurso, forçando-o em todos os momentos mais íntimos da narrativa, a fim de criar uma sensação de invasão de privacidade por parte do público.

Outro elemento que enfraquece o tom documental de Jackie é sua trilha sonora. Mesmo tendo sido indicada ao Oscar, o uso excessivo de curtos temas enfraquece a narrativa, principalmente por não haver uma variação que caracterize e diferencie os diferentes momentos da obra. Outro ponto fraco é a edição, que corta planos interessantes antes que estes possam ter algum simbolismo, como quando Jackie está guardando suas coisas para deixar a Casa Branca, e a câmera se aproxima e diminui o espaço do quadro. Se prolongado e transformado em um close up no rosto da personagem, poderia ser uma poética forma de demonstrar como esta está sendo pressionada pelo mundo, mas o corte seco que conduz a outros planos sem nenhum significado, ajuda a manter o tom frio que fragiliza a narrativa.

Uma ideia interessantíssima que é sutilmente inserida é a questão do legado de JFK. Tanto Jackie quanto o irmão do falecido presidente transparecem mais do que tristeza pela perda, mas enorme frustração por terem convicção de que poderiam ter feito muito por seu país. O roteiro, porém, opta por destacar a obsessão da viúva pelos arranjos do velório do presidente, que funcionam para destacar a forma que a personagem encontrou para abstrair sua mente, mas ocupam tempo demais nos curtos 99 minutos de projeção.

Mesmo sendo um claro Oscar bait, Jackie é um interessante registro do ambiente hostil e claustrofóbico em que Jacqueline Kennedy se viu inserida com a morte de seu marido, a obra possui excessos que só visam aumentar sua metragem. Infelizmente, por não desenvolver a personalidade de sua figura principal, o longa passa longe de ser um emocionante drama e possui uma narrativa vazia, que não constrói nem conclui arcos, apenas retrata um período, de forma excessivamente documental e fria.

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