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Jovens Loucos e Mais Rebeldes (2016)

Jovens Loucos e Mais Rebeldes (2016)

A importância do agora

Redação - 24 de julho de 2020
Por Henrique Ramos

Existe uma urgência palpável em grande parte dos filmes de Richard Linklater: em Antes do Amanhecer, o romance já vem com data de validade, a noção de que os protagonistas não voltarão a se encontrar tão cedo após aquelas horas entre um trem e outro traz um peso considerável para cada ação, para cada linha de diálogo (ou virá a trazer, em memória, como visto nos filmes seguintes da trilogia). Em Boyhood, anos passam como num piscar de olhos, informações sobre diversos períodos da vida de Mason (e das vidas daqueles em torno dele) são lançadas na tela cronologicamente, mas em tal cronologia, memórias soltas parecem não importar tanto quanto o panorama geral que descrevem.

Cada ano é ilustrado com algum acontecimento chave, que talvez nem seja de grande importância num macro para a história de Mason, mas que serve como lembrete de tudo que foi deixado para trás, da implacabilidade do tempo (tempo que traz, também, a incerteza quanto ao futuro). Por fim, talvez mais presente como ponto-chave narrativo do que nos outros dois exemplos, há o imediatismo — do tempo — em Jovens Loucos e Rebeldes, que se apresenta não como um vilão, mas como uma presença constante, do fim de tarde até o início do dia seguinte. Toda a “curtição” de Jovens, Loucos e Rebeldes é ameaçada pela noção constante de que aquele é o último dia de colégio, de que todos estão à beira de uma nova, nebulosa e incerta, fase da vida. A falta de segurança com o que está por vir se intensifica com a percepção da efemeridade destes dias de adolescência, chegando ao seu clímax no fim daquele dia que se tornou noite, ao amanhecer.

Nada disso se aplica a Jovens, Loucos, e Mais Rebeldes. Este é um filme que trata de inícios, é um prólogo para tudo que está por vir (mas também uma retratação do ciclo que perpassarão esses personagens nos anos que virão). Não há preocupação em fazer um retrato de geração, e embora se passe nos anos oitenta, o filme trata de um sentimento universal, de um hedonismo característico àqueles nas portas da vida adulta, amadurecendo sem dar muita atenção ao ato de amadurecer.

Linklater poderia ter criado uma obra que dá atenção a todas as preocupações comuns aos anos de universidade — as aulas prestes a começar, a decisão quanto a uma carreira, o “fim” de toda a curtição — mas do momento em que Jake (Blake Jenner) desliga a chave do carro e entra na casa que será sua moradia pelos próximos tempos, fica claro que este não é o foco. Ao conhecer alguns de seus companheiros de time e parte de seu novo círculo social, suas prioridades ficam claras. Da cerveja ao colchão de água, na identificação pela posição no campo de baseball e nas piadas decorrentes a este fato: o que importa para as personagens é o prazer e a competição, e, para eles, ambos caminham lado a lado.

Nada é permitido que não se encaixe nestas prioridades. Diálogos sobre qualquer preocupação com o futuro (ou com lembranças do passado) são cessados tão cedo quanto aparecem, com interrupções de outras personagens que acompanham cortes súbitos que trazem mais uma música, mais uma festa, mais uma cerveja ou mais um encontro. O importante está no momento, presente ou imediato.

Se só o que importa é o agora, existe uma certa ironia na utilização de um cronômetro que mostra o tempo restante até o início das aulas. O lembrete, uma constante durante o filme, existe sem qualquer senso de urgência, já que os estudantes (mas, antes disso, jogadores de baseball) dirigem e cambaleiam de situação em situação, quase que como suspensos no tempo, flutuando sem se permitirem preocupações. Até o momento de suas “rotinas” em que o hedonismo fica em segundo plano para o esporte.

Para o núcleo principal de personagens de Jovens Loucos e Mais Rebeldes, as regras foram feitas para que possam ser quebradas, salvo quando não. Se, ao receberem a advertência do treinador quanto à proibição de bebidas e sexo na moradia, riem e não lhe dão muita atenção, fazem o oposto quando o assunto é o esporte que lhes permitiu a estadia na universidade. “O treino voluntário é no sábado” diz o treinador, em uma cena emblemática, a primeira no filme onde todo o time se reúne no mesmo local. A palavra, então, é entregue para McReynolds (Tyler Hoechlin), aquele que se provará o mais competitivo daquele grupo (irmandade, quando o assunto é o esporte de escolha). McReynolds toma posição de líder, e finaliza o discurso do treinador dizendo que “treino voluntário quer dizer treino mandatório”, dirigindo-se principalmente aos calouros. As regras se tornam absolutas, o espírito hedonista e livre destas personagens só cessa em um momento específico, em um espaço que se prova quase religioso e espiritual para aquelas personagens: o campo de baseball.

Ali, a menção de uma festa para a qual o protagonista foi convidado (que voltará a ser mencionada ao fim do jogo) não gera diálogo algum fora um assentir de um outro personagem, e o assunto logo morre com a continuação dos alongamentos pré-treino. O espaço obriga seriedade, é um lugar de certezas, de objetivos concretos, onde os únicos assuntos que importam são os que inflamam o espírito competitivo, a paixão pela vitória: discutem-se superstições individuais, que podem ou não melhorar o jogo de cada um, apresenta-se a existência de um olheiro (que pode ou não ser um olheiro) que, sorrateiro, assiste cada jogada para procurar futuros jogadores profissionais. No campo de baseball, qualquer individualismo inerente às festas e à caça pelo prazer precisa ser desfeito, o objetivo é concreto e não precisa ser mencionado, todos precisam agir como um time, mesmo quando querendo provar superioridade individual (atitude que também é importante, para que o espírito competitivo continue pulsando, mas deve ser tomada em consideração com o resto do time).

Em Jovens Loucos e Mais Rebeldes, há uma relação quase intrínseca entre prazer e competitividade. É um filme de momentos, de camaradagem, de descoberta: um filme de infindável otimismo. “Esse é o melhor dia da minha vida, até amanhã”, diz McReynolds, que já é veterano, e acredita veementemente que não há perigo no futuro enquanto se vive com os dois pés no agora.

Se Linklater é mestre na arte do “Hangout Movie”, Jovens Loucos e Mais Rebeldes pode ser descrito como a obra-prima do gênero. Um dos personagens profetiza “Here for a good time, not a long time, right?”, mas o fato é que “quantidade” é um termo nulo quando não há preocupação com a mesma.

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