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Life, Animated

Life, Animated

Matheus Fiore - 21 de fevereiro de 2017

Em Life, Animated, acompanhamos Owen Suskind, americano que aos três anos passou a demonstrar dificuldades motoras e diminuiu gradativamente sua comunicação com sua família, até que os exames diagnosticaram seu autismo. Sua família, posteriormente, achou nas animações da Disney uma forma de se comunicar com Owen e traze-lo para o mundo.

Talvez o aspecto mais puro e belo da obra seja o acompanhamento dos depoimentos de Owen e seu pai, Ron Suskin, sobre a construção da relação deles a partir dos filmes. A sinceridade e empolgação nos olhos de Ron ao descobrir na Disney uma forma de trazer seu filho para perto de si são lindos e, graças à direção e à montagem, retratam não só a descoberta do pai, mas o processo de auto-descobrimento da criança e a construção da relação destes.

Inicialmente, são necessários depoimentos de médicos para situar o espectador que desconheça o autismo na situação de Owen. Acertadamente, a obra os utiliza apenas no primeiro ato, para evitar que se torne um documentário sobre a condição. Life, Animated é sobre Owen Suskind e seu mundo, apenas.  Para evidenciar tal protagonismo, o diretor, Roger Ross Williams, é coerente ao centralizar apenas Owen em seus depoimentos, afinal, o alicerce do filme é a relação do rapaz com sua família e o mundo. Todos os outros personagens costumam ser enquadrados nos cantos do enquadramento.

Acompanhando os depoimentos e alguns momentos do dia-a-dia da família, há belíssimas ilustrações que dão vida aos sentimentos de Owen e às situações de seu passado que não foram registradas em vídeo. Há ainda a inteligentíssima escolha de só usar animações coloridas quando o relacionamento de Owen e sua família desabrocha, que destaca a importância da Disney na vida do rapaz e o quanto seu panorama se abriu ao conseguir comunicar-se com o mundo externo.

Como inicialmente Owen só se comunicava por diálogos de filmes da Disney, é interessante notar como o estúdio foi uma educação paralela para o menino. O documentário destaca bem tal elemento ao evidenciar que Owen tem enorme receio de adentrar a vida adulta, pois não sabe como esta funciona (já que nunca a viu em seus filmes). Há ainda o momento em que o irmão de Owen fala sobre sua dificuldade em exercer o papel de irmão mais velho, quando este não acha saídas para introduzir o assunto “sexualidade” na vida de Owen, já que tal assunto não existe nas obras infantis.

Voltando às animações que intercalam os momentos do dia-a-dia de Owen, estas também são muito competentes para mostrarmos como o “protagonista” do documentário se agarrou às influências cinematográficas para encontrar alegria. O uso de uma coloração predominantemente azul destaca a solidão da versão infantil de Owen, quando o menino era excluído na escola e sofria bullying de seus colegas, enquanto o uso de cores quentes ao retratar os personagens da Disney, cores estas que contagiam Owen quando ele se aproxima, ressaltam o amor e a vivacidade trazida ao rapaz.

A constatação de que Owen só cria laços com personagens secundários demonstra seu enorme medo de ser posto em segundo plano por sua família, medo este que é compreensível devido à situação do menino, mas que o espectador tem ciência de ser infundado diante do inesgotável amor que ele recebe de seus pais e irmão. Em um dos mais belos momentos do documentário, acompanhamos o desabafo de seu irmão, que reflete sobre o futuro da família e suas preocupações acerca de Owen. A inteligência da direção está em justamente captar estes depoimentos de forma extremamente espontânea, sem forçar os participantes do documentário a desenvolve-los extensivamente, já que o objetivo do documentário é apenas mostrar os sentimentos dos entrevistados, não forçar um drama em seu público.

É de se lamentar, porém, que o relacionamento do protagonista com sua mãe não tenha tanto destaque quanto com seu pai e irmão, deixando uma impressão de que esta não teve tanta participação ativa no desenvolvimento do menino. Ela tem sua participação reduzida ao longo da narrativa, assim como os depoimentos que explicam a condição do autista. Uma maior exploração da visão materna é necessária para conhecermos outro lado da criação de Owen.

Em seu ato final, Life, Animated aprofunda ainda mais sua narrativa ao, de forma extremamente delicada, utilizar não só as artes do filme como também trechos de filmes da Disney para retratar as situações em que Owen está inserido. O uso de cenas de filmes como O Rei Leão para simbolizar a conquista da independência do protagonista é de enorme ternura por parte da direção. Igualmente forte é a sequência em que a obra retrata a entrada do rapaz na vida adulta com animações em preto e branco, mostrando que há todo um novo mundo a ser descoberto por Owen. A sequência, porém, não é mais uma animação colorida, e sim imagens da vida real do já adulto protagonista, sinalizando o amadurecimento deste.

Life, Animated é um documentário extremamente intimista e delicado, que emociona por retratar com ternura o amor entre Owen, sua família e a Disney. Acerta ao trazer a realidade de uma pessoa com autismo sem nunca tentar diminuir a figura protagonista à alguém inferior ou deficiente, apenas diferente. Owen é uma pessoa, com medos, desejos e aspirações, e o filme busca retratar sua relação com estes sentimentos destacando não suas dificuldades, mas sim como sua paixão pela Disney foi a ponte que o conectou ao mundo.

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