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Mamãe, Mamãe, Mamãe

Mamãe, Mamãe, Mamãe

Um filme que, antes de tudo, é preocupado com a construção de uma atmosfera afetada pela perda

Matheus Fiore - 27 de outubro de 2020

Filmes que abordam o luto não são uma novidade, mas obras que fazem isso sob o recorte infantil são, diferentemente, mais raros. Mamãe, Mamãe, Mamãe, da argentina Sol Berruezo Pichon-Riviére, escolhe justamente abordar o luto sob a perspectiva de crianças em sua narrativa. Essa escolha não implica somente na mudança de tom, mas em toda a construção formal do longa. Mamãe, Mamãe, Mamãe não é um drama de grandes discussões, de diálogos profundos ou desenvolvimento temático complexo; é um filme de dúvidas, incertezas e sonhos.

Não há exatamente uma história a ser trabalhada. Pichon-Riviére nos apresenta a esse universo essencialmente feminino – tanto pela equipe predominantemente feminina por trás do projeto, quanto pelo elenco quase que exclusivamente composto por mulheres – e faz um retrato da forma como um ser humano lida com a perda na tenra idade. É, de certa forma, um filme que, no que tange a idade de suas personagens, não chega sequer a ser uma obra de amadurecimento, mas de compreensão, de aceitação da realidade. Como se as jovens que protagonizam a história vivessem um sonho e fossem obrigadas a despertar dele para a crueza de uma realidade bem distante do conto de fadas que poderiam imaginar.

Para isso, Pichon-Riviére constrói um filme essencialmente atmosférico, no qual o tom de cada cena vale mais do que a progressão dramática-narrativa que ela pode proporcionar. Em muitos momentos, sentimos que o filme não está indo necessariamente para algum lugar, e se importa mais especificamente em retratar como as meninas lidam com a situação imposta a elas pela vida. A câmera até mesmo ora opta por não procurar o rosto de suas personagens, mas brinquedos encostados no canto de um quarto, a copa de uma árvore, ou qualquer outra coisa. As cenas partem dos rostos das meninas para projetar seus sentimentos pelo cenário, e não pelas falas.

Porque, afinal, é difícil esperar que uma criança articule grandes reflexões sobre dor e luto. Acaba sendo, além de mais sutil e lúdico, também mais sincero o tratamento através da atmosfera, lidando sempre com o tema nos imergindo em uma ambientação que espelha o que sentem as personagens. É claro que essa abordagem tem seu custo. Há momentos em que Mamãe, Mamãe, Mamãe soa um tanto quanto repetitivo por apenas repetir essa construção atmosférica sem evoluir muito sua narrativa – e até por isso, os curtos sessenta minutos de filme são mais do que suficientes, evitando o desgaste da ideia –, mas nada que atrapalhe o resultado final.

O plano final não poderia ser melhor para fechar a ideia de Pichon-Riviére. Andando por uma floresta, na escuridão, as meninas caminham na direção da câmera tendo como foco de iluminação apenas os poucos feixes de luz que passam pelas árvores e as lanternas que algumas delas seguram. É a constatação de que é uma fase de aprendizado e de descoberta. Um estágio da vida no qual não há grandes reflexões a se fazer, mas conhecer uma grande dor pela primeira vez e entender que a ausência de um ente querido é algo que, ao longo da vida, se torna mais comum e é um processo natural.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a 44ª Mostra de São Paulo. Para ir até a página principal de nossa cobertura, clique aqui.
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