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Menarca

Menarca

Conto místico e imaginado como fuga para o momento de enfrentamento.

Egberto Nunes - 23 de janeiro de 2021

A ambientação escura e fria carrega a atmosfera de Menarca, exibido na seção Semana da Crítica do Festival de Cannes em 2020 e agora na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes. De início, toda essa concepção marítima, inóspita e solitária nos dá uma impressão de vermos algo estrangeiro aos olhos e o que a imagem nos apresenta como ponto de conflito do curta-metragem é justamente isto: o diferente, o incompreensível. Isto é, em relação à quem fala e de como agem – e é este o regime do filme. Essa figura é de uma criatura cujo conhecimento do corpo se dá por emaranhados de cabelos desalinhados e sons estridentes defensivos, chamada de Baubo pelas crianças, cujos homens do vilarejo encaram com curiosidade de ataque, e as meninas do curta, Nanã e Mel, com a inocência e coragem. O filme se agarra no ar esfumaçado de mistério isolado enquanto a descoberta figura como agente de conflito.

Nesse sentido, Lillah Halla conduz com aparente visibilidade e abertura aquilo que ainda está prematuro na cabeça das protagonistas. O contato das crianças é feito com aquilo do lugar de origem da criatura, uma piranha tirada do mar. O campo másculo é distante e o trabalho deles feito com mãos, observado por Nanã, que se escondem entre as grades ou entre os copos sujos. Se por um lado, conseguimos ouvir os comentários ignorantes e intimações de forma bem clara, – ainda que a imagem não os revele na mesma amplitude – é com elas que a imagem se coloca para nós como posição de atenção e livre de quaisquer amarras, a intenção aqui é de enfrentamento para aquele que ataca, mas sem nunca desposar do espaço distante e soturno que o filme se apresenta.  Estamos numa fabulação, num provável sonho que em certo sentido nos cai como a realidade encenada e imaginada.

O embate aqui age conosco no sentido do estranhamento perante a fabulação e a liberdade proposta por esse caminho, domado e feito pelas crianças. Os símbolos são reconhecidos, são ditos e bem declarados, mas imersos num ar frio que nos concentra no místico suspense. Ao mesmo tempo, somos lembrados do que está sendo enfrentado, pelo que elas estão passando e do que está simbolizado. Porém, enquanto a escala das ações vai tomando conta do espaço, somos um com elas e agimos para a ficção, com os signos de gêneros dos suspense, do thriller infantil se conectando para um só caminho. O trabalho de som age neste sentido propondo tanto o limite do visionamento (não é preciso mostrar pra sentir) quanto pela limitação da fabulação. É o som que corta o sonho, que remexe o tecido do real e do imaginado. É o que dá forma a outro grito. Assim como as ações das crianças são as mais visíveis e reconhecíveis, o grito de felicidade vai agir no maior exagero, ressignificando o despertar.

O que nos resta é o mesmo que o trajeto infantil: a fabulação e nosso despertar quando entramos naquilo que está sendo questionado e descoberto no momento.


Esse texto faz parte de nossa cobertura para a 24ª Mostra de Tiradentes. Para ir até a página principal da cobertura, clique aqui

 

 

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