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Mudo

Mudo

Matheus Fiore - 23 de fevereiro de 2018

Uma das coisas mais interessantes a se observar em filmes com ambientações distópicas é como o cenário dialoga contribui para a narrativa. Em “Ghost In The Shell”, de 1995, por exemplo, há cenas onde vemos apenas a silhueta da protagonista, Major Mokoto, enquanto no fundo do plano há incontáveis e gigantescos prédios modernos e tecnológicos, criando a ideia de vazio existencial diante de uma cidade conectada e imponente. Já no recente “Blade Runner 2049”, vemos que por trás de uma cidade tomada pelo cinza, as luzes coloridas e o neon disfarçam a falta de vida da Los Angeles distópica apresentada por Denis Villeneuve, criando um véu de farsa, como se as cores e a iluminação fossem uma camada para esconder o vazio daquele mundo.

Em “Mudo”, novo filme da Netflix dirigido por Duncan Jones (do interessante “Lunar” e do mediano “Warcraft”), nada disso é trabalhado. Na verdade, a ambientação – que mais parece uma mistura genérica dos dois filmes mencionados no parágrafo anterior – praticamente não importa. “Mudo” poderia muito bem se passar na nossa realidade, que em nada afetaria a história de Leo, um barman mudo em busca de sua namorada desaparecida. O roteiro tenta justificar a ambientação, trazendo um protagonista que, por questões religiosas, precisa manter-se distante da tecnologia – que inevitavelmente o cerca a todo momento -, mas o tema nunca evolui ou se torna relevante ao longo da trama.

Leo é um sujeito quebrado. “Mudo” o apresenta como alguém fragilizado desde o primeiro plano, que traz o protagonista ainda criança sangrando enquanto boia em um lago. A fotografia e a direção de arte trabalham essa fraqueza do personagem trazendo sempre o azul nos cenários e luzes – que constantemente projetam-se no rosto de Leo e o deixam azulado. No papel protagonista, Alexander Skarsgård também demonstra esforço para criar essa persona fragilizada, sendo sempre hesitante e delicado em seu comportamento e inclinando suas sobrancelhas para sensibilizar sua feição.

Como é perceptível pelos parágrafos anteriores, o problema de “Mudo” não é uma má ambientação, mas sim a total falta de trabalho do roteiro e da direção para fazer com que essa ambientação tenha alguma relevância na trajetória do protagonista. A religiosidade de Leo, sua relação com Naadirah (Seyneb Saleh), o passado de Cactus (Paul Rudd) e seu parceiro, Duck (Justin Theroux)… Absolutamente nada é aprofundado o mínimo necessário para que a trama tenha camadas para que as pessoas retratadas tenham um arco claro. 

Outro fator que prejudica “Mudo”, além da total falta de interesse por trabalhar os dilemas do personagem, é a simplória trama. Mesmo com a possibilidade de versar sobre o choque entre religiosidade e tecnologia – algo bem interessante, diga-se de passagem -, o filme de Duncan Jones se limita a aproveitar a atmosfera noir – muito inspirada na de “Blade Runner: O Caçador de Andróides”, vale mencionar -, para transformar “Mudo” em um filme de investigação e perseguição. Leo se apega à qualquer pista que encontra para decifrar o que aconteceu com sua amada.

O triste é constatar que, apesar do desastre, “Mudo” poderia ser uma interessante tragédia sobre fracassos familiares. Estão lá o protagonista que tem sua vida inteira comprometida pelo extremismo religioso de seus pais, o vilão que, sendo um criminoso e um psicopata, certamente prejudicará o desenvolvimento social de sua filha, e por aí vai. Nada disso é aproveitado, e o resultado é um filme investigativo que não tem o que dizer e não aproveita nenhuma das nuances criadas ao longo de seus 126 minutos de projeção.

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