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Nada a Perder

Nada a Perder

Matheus Fiore - 30 de março de 2018

Ao fim de “Nada a Perder”, o público que aguardar pelos créditos precisará esperar um pouco mais. Há, após o fim da ficção que retrata a trajetória do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, um trecho em vídeo que traz o próprio Edir, agradecendo aos seus fiéis pelo apoio e, quem diria… Pregando! Quase como um epílogo, a cena que traz figura de Macedo surge única e exclusivamente para conduzir um curto culto para os espectadores é bizarra e entrega a intenção final do filme: lavagem cerebral. “Nada a Perder” é um filme que não tem como única pretensão ser uma peça de propaganda covarde e tola.

Há um esforço enorme para humanizar a figura de Edir Macedo. “Nada a Perder” quer, além de pregar para os já convertidos, conquistar novos fiéis. A forma como o roteiro faz isso, porém, é a mais óbvia possível. Há um bloco imenso de cenas nas quais Edir Macedo é humilhado e subjugado por outras pessoas. A própria abertura do filme, que traz o bispo sendo preso, é uma delas. Em sequência, há bullying e espancamento na infância, preconceito religioso por parte de namoradas na adolescência, conflitos com os pais… “Nada a Perder” se dedica demasiadamente a apresentar Edir como uma pessoa que apanhou a vida toda para que o espectador sinta empatia pelo protagonista. Quando o bully é Edir, porém, o tom é cômico – que ironia, não? Piadas com religiões afrodescendentes e com a Igreja Católica não faltam, e vem sempre em um tom de superioridade, como se Edir e sua querida Universal estivessem acima de tudo e de todos.

Estéticamente, o longa-metragem tem uma ou outra ideias interessantes. Há, por exemplo, uma luz dourada que banha o filme e Edir por um trecho considerável da projeção, imprimindo a aura “divina” que o bispo tanto almeja. Já quando “Nada a Perder” ganha um tom mais sombrio diante dos percalços jurídicos que permearam a vida de Macedo, há uma transição para um tom mais azulado e triste. Outro fator curioso é como são filmadas as igrejas. Há a de Edir Macedo, quase sempre retratada com uso de planos abertos, que enquadram o bispo e seus fiéis de forma igual, como se fossem uma massa única, e há o “resto”. As outras igrejas costumam ser filmadas com uma profundidade de campo curta, o que torna sua ambientação mais sufocada. Interessante também é notar a iluminação: enquanto o “templo” de Edir é banhado pela luz dourada, a igreja católica de um dos vilões é mergulhada nas sombras, como se fosse um ambiente desprovido de graça.

Mas no Cinema, a forma só funciona se servir ao conteúdo, e nisso, “Nada a Perder” é um desastre. É um filme tacanho em suas pretensões dramáticas e ideológicas. Para construir a força de Edir, as únicas ferramentas da obra são demonizar todos os seus críticos e opositores e fortalecer a imagem de homem moralmente perfeito e infalível. Nem isso funciona, já que o Edir Macedo de Petrônio Gontijo é um sujeito prepotente e egoísta, mesmo que nem o roteirista nem o diretor pareçam se dar conta disso. É incômodo como o protagonista nunca perde a oportunidade de dizer que quer “ajudar as pessoas” enquanto todas as suas atitudes se baseiam em prover frutos para o próprio Edir e sua igreja.

Já os relacionamentos entre Edir e os demais personagens, que poderiam ser uma ferramenta mais inteligente de humanização da polêmica figura, são constrangedores. A fim de inserir a forceps alguma química entre o protagonista e sua esposa, Ester, o filme utiliza muitas cenas de… Beijos. Sim, o único elemento que conecta os personagens vividos por Petrônio Gontijo e Day Mesquita são as carícias. Não há nenhum esforço para criar algum relacionamento de verdade que não vá além do modelo patriarcal “homem adulto se apaixona por mulher aparentemente muito mais jovem e submissa”. O mesmo ocorre com seus principais parceiros na “administração” da igreja, que só estão lá para ser a escada de Edir para seus feitos “maravilhosos”.

A obviedade é tanta que, em dado momento da trama, Edir e Ester vão ao cinema e, para nos dizer que os personagens estão apaixonados, o filme escolhido para a projeção se chama… “Love Story” – e, obviamente, o título surge no centro do plano, para esfregar na cara do espectador que há, ali, uma “paixão”. “Nada a Perder” é um show previsibilidade tão absurdo que, lá para os cinquenta minutos de projeção, resta ao espectador apenas esperar pelo discurso de conversão que o aguarda nos minutos finais – ao ponto de, próximo ao terceiro ato, o filme passar a trazer eventos totalmente picotados e descontextualizados apenas para ressaltar como Edir Macedo sofreu em vários momentos da história.

Com isso, fica claro que as aspirações dos responsáveis pelo projeto não são artísticas, de entretenimento e muito menos documentais. “Nada a Perder” parece ser apenas uma desculpa para fazer quem pagou o ingresso assistir ao culto escondido no fim. Sem nuances e sem vida, é apenas um panfleto disfarçado de filme. Um lobo em pele de cordeiro, se quisermos ser mais bíblicos. A melhor coisa a se tirar da obra é: como Edir, de uma cena para a outra, vai de um apartamento infestado por baratas para uma mansão? O enriquecimento do personagem é tão misterioso quanto o do bispo que o inspirou. Que irônico, não?

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