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Novitiate

Novitiate

Matheus Fiore - 16 de outubro de 2017

A repressão do desejo sexual feminino é um tema já conhecido da arte, presente em grandes clássicos do cinema europeu, como Monika e o Desejo, de Ingmar Bergman. Não é novidade, portanto, que a sétima arte seja a manifestação da insatisfação de diversas artistas mundo afora. Por vivermos em um mundo culturalmente falocêntrico, a mulher e seu corpo são constantemente julgadas e condenadas, presas aos tabus da sociedade. Novitiate, destaque do último Festival de Sundance dirigido pela estreante Margaret Betts, é um dos longas que vai por um caminho ainda mais incisivo, tratando da repressão não simplesmente na sociedade, mas em um dos cenários mais sufocantes possíveis: os conventos cristãos.

A trama acompanha Cathleen, jovem americana que fora abandonada pelo pai ainda na infância e, posteriormente, encontrou na fé um norte para sua vida. A protagonista, então, entra em uma escola cristã e, pouco tempo depois, vai morar em um convento a fim de se tornar freira. Lá, a jovem cresce e vê, enquanto os hormônios da juventude surgem, a repressão pela palavra bíblica a impedindo de explorar seu próprio corpo.

Como fica explícito pela sinopse, Novitiate tem espaço para trabalhar diversos temas interessantes, desde a repressão sexual no convento – no caso da obra, justamente durante a fase de descoberta da sexualidade – até a rigidez excessiva do estilo de vida praticado pelas mulheres que lá habitam. Betts mostra mão pesada e aposta em extremos para impactar. A mãe agnóstica da protagonista, por exemplo, em todas as oportunidades menospreza a religião católica (o que faz com que a ida da personagem com sua filha à igreja, no primeiro ato, soe totalmente implausível).

Quando explora a vida no convento, o roteiro permanece trabalhando nos extremos. Se, de um lado, há as mulheres liberais e que ajudam e compreendem as meninas que precisam mascarar sua sexualidade, de outro, estão as freiras mais velhas, irredutíveis e sedentas por castigar as “pecadoras”. Esse maniqueísmo, porém, possibilita que Melissa Leo apresente uma das grandes atuações da temporada, no papel da Mãe que guia o convento. Posta contra a parede pelas vindouras mudanças que o Vaticano praticará na Igreja, a personagem está sempre em conflito: ao mesmo tempo em que sabe que seu ideal de vida cristã está com os dias contados, tenta a qualquer custo obrigar todas as meninas do convento a seguirem-no à risca. Leo tira os conflitos de sua personagem de letra, com um semblante sempre incômodo, demonstrando a constante insatisfação com o mundo moderno.

As outras personagens, porém, não ganham o merecido destaque, tanto pelas fracas atuações quanto pelo roteiro, que pouco desenvolve as outras meninas. A protagonista vivida por Margaret Qualley, por exemplo, não só tem pouquíssimos momentos para brilhar, como quando tem, apresenta sempre uma atuação fria e apática, sempre passiva diante dos acontecimentos, trazendo poucas expressões mesmo quando emocionada. A escolha do roteiro é fazer de Cathleen apenas um guia pelos temas da obra, o que impede que seu arco tenha maior impacto. No ato final, porém, sua sexualidade surge como um epicentro dramático, o que, por não haver o foreshadowing necessário nos atos anteriores, não traz impacto algum.

Mesmo com tantos pecados, Novitiate traz um trabalho de enquadramentos interessante. Com um uso pesado de close-ups, Betts não só permite que as atuações se destaquem – o que só funciona com Melissa Leo, infelizmente -, como demonstra a sensação de opressão que permeia a vida das aspirantes a freiras. Há também o uso correto da profundidade de campo curta, que faz com que os cenários estejam sempre desfocados, dando maior destaque aos rostos e intensificando a aura quase claustrofóbica do ambiente. Ambiente, aliás, que também é opressor em sua iluminação: predominantemente escuro, puxado para uma paleta calcada no marrom, fazendo com que o convento no qual a obra se passa mais pareça um calabouço – algo que ainda é intensificado pelo uso das roupas típicas das freiras, que, feitas sob medida, parecem apertar os rostos das personagens.

Novitiate é o clássico caso da obra cheia de boas intenções, mas o péssimo desenvolvimento da protagonista prejudica demais o impacto dramático do ato final. Para que um elemento tenha peso narrativo em seu último arco, é necessário que ele seja introduzido e desenvolvido nos dois anteriores, o que não ocorre talvez por inexperiência da iniciante Margaret Betts – que, mesmo com seus erros, traz ideias visuais interessantes e mostra-se uma promissora cineasta.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Plano Aberto do Festival do Rio de 2017.

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