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O Caso Hammarskjöld

O Caso Hammarskjöld

Conspiracionismo exuberante

Wallace Andrioli - 13 de abril de 2019
Este texto faz parte da nossa cobertura para o festival É Tudo Verdade 2019

Em 1961, o avião no qual viajava o então secretário-geral da ONU, Dag Hammarskjöld, caiu no território congolês. No comando da organização internacional, esse diplomata sueco estava lidando diretamente com demandas separatistas nessa região da África, o que levantou suspeitas, nunca devidamente esclarecidas, de que o acidente aéreo, na verdade, teria sido um assassinato. “O Caso Hammarskjöld”, de Mads Brügger, é dedicado a investigar essa possibilidade.

Brügger tem nas mãos uma história intrigante e politicamente relevante e consegue, com ela, construir uma narrativa envolvente, em ritmo de thriller. A dispersão do foco investigativo (Hammarskjöld é esquecido na maior parte do tempo, enquanto o diretor se embrenha por ações nefastas de uma organização de mercenários sul-africana), que poderia ser considerada um problema, funciona a favor do filme, já que alimenta a dimensão de complexidade do caso e a sensação de que seria impossível obter uma resposta definitiva para ele. Quanto mais Brügger descobre sobre o sinistro Keith Maxwell e a tal organização que supostamente comandava (denominada South African Institute for Maritime Research, ou SAIMR), mais “O Caso Hammarskjöld” se aproxima de um exemplar do gênero horror, no qual o protagonista sofre sério risco de vida.

No entanto, em diversos momentos o diretor parece sabotar seu próprio filme. Brügger é uma presença ostensiva em cena, não só como entrevistador, mas também personagem que realiza múltiplas ações. Ele interage dramaticamente com outras figuras, cria uma relação com outro investigador semelhante às de um buddy movie, se dispõe a cavar por conta própria o local onde estariam os destroços do avião de Hammarskjöld e até se paramenta como Maxwell. É, inclusive, de difícil compreensão essa última decisão, ligada diretamente à de incluir na diegese duas secretárias negras que ouvem de Brügger o passo a passo da investigação.

Ainda que mais ou menos na metade de “O Caso Hammarskjöld” o diretor verbalize um sentido para tais escolhas, relacionado à sua própria confusão diante de tantas informações desencontradas, a desculpa soa boba, sobretudo por estar atrelada a um recurso metalinguístico primário. E vale considerar o quanto há de mau gosto na opção de Brügger por se vestir do racista e higienista Maxwell para se apresentar como grande investigador de uma conspiração intrincada diante de duas mulheres negras. Essa sua vocação para Michael Moore quase mata o filme.

Ao fim, no entanto, “O Caso Hammarskjöld” chega a resultados convincentes, criando uma narrativa crível, ainda que compreensivelmente embaralhada, sobre o que de fato teria ocorrido com Dag Hammarskjöld. Fosse seu diretor um pouco mais sóbrio, o filme poderia ser colocado ao lado de “JFK – A Pergunta que Não Quer Calar” (1991) no rol das grandes reflexões conspiracionistas sobre a história do século XX. Vê-se, portanto, o quão excessivo é Brügger quando lhe falta sobriedade para ocupar um lugar ao lado de alguém como Oliver Stone.

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