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O Castelo de Vidro

O Castelo de Vidro

Matheus Fiore - 24 de agosto de 2017

Baseado no best-seller de Jeannette Walls, O Castelo de Vidro, este é apenas o segundo trabalho como diretor do americano Destin Cretton, mais conhecido por ser o roteirista de outra adaptação de obra literária, A Cabana. O filme conta a história da própria Jeannette Walls, jornalista que, apesar de seu sucesso, tem um histórico familiar bem peculiar. Criada junto aos três irmãos por um casal “alternativo”, que não possui emprego ou residência fixa, Jeannette foi uma criança com trajetória incomum. O filme, então, amarra a bela história da moça em uma narrativa sobre família, abuso e aceitação.

A obra começa acompanhando Jeannette (Brie Larson) em sua vida adulta, quando participa de jantares com seu marido e seus potenciais clientes. O incômodo com a situação é nítido no olhar de Larson, que nunca demonstra qualquer conforto em sua rotina. Seja no trabalho ou em casa. A obra, então, passa a alternar entre a vida atual de Jeannette e flashbacks de sua infância, mostrando como foi sua criação e o que a levou a afastar-se de seus pais.

O primeiro destaque da obra é a montagem. Mesmo que tenha uma nítida marcação no roteiro, os ganchos que guiam a trama aos flashbacks funcionam para conectar as duas tramas (a vida de Jeannette no presente e suas memórias da infância e da adolescência) e também para criar o elo entre elas. Quando Jeannette observa algum objeto que a lembre de algo de seu passado, a cena cortará justamente para a memória, criando uma conexão emocional que faz com que seu passado a assombre e esteja presente em cada momento de seu dia-a-dia.

Na construção do relacionamento entre Jeannette e Rex, seu pai, o filme encontra qualidades e defeitos. Por um lado, o filme é feliz ao mostrar sempre o lado descontraído e cool do personagem, mas sempre lembrando que ele é um mau pai – fazendo questão de mostrar close ups dos rostos incomodados das crianças diante de suas atitudes erradas, como falar sobre sexo diante delas. Também são importantes os flashbacks que trazem momentos mais intensos, como quando Rex põe a vida de sua filha em risco ao tentar ensina-la a nadar.

Quando tenta construir nossa empatia pelo pai, porém, o filme é extremamente manipulativo. Se ao longo da projeção vemos Rex ser um sujeito divertido e irresponsável, no clímax da obra a série encaixa uma enorme sequência de lembranças ruins para, em seguida, encaixar outra enorme sequência de lembranças boas, a fim de nos fazer ter desprezo e admiração pelo personagem. Dispensando qualquer sutileza – que aqui seria necessária – a obra escolhe dizer o que o público deve achar de Rex, sem nunca dar espaço para cada um ter suas próprias interpretações.

Mal utilizado também é o artifício do abuso, que chega a ensaiar tornar-se tema central de O Castelo de Vidro mas surge apenas como ferramenta do roteiro para fragilizar seus personagens. Em qualquer momento no qual a empatia do público por Rex pareça estar esmaecendo, lá será inserida alguma sugestão de trauma passado que justifique suas irresponsáveis e cruéis atitudes. Também prejudica o elemento o fato do filme sempre saltar de um conflito diretamente para o próximo, impedindo que o espectador absorva o impacto dos acontecimentos projetados.

Já a direção de Cretton encontra nas imagens mais força do que o roteiro poderia prover. Os planos em slow-motion, por exemplo, captam alguma beleza nas atitudes anárquicas de Rex, mas sua duração acima do convencional faz o espectador questionar o que assiste por mais tempo, permitindo que a beleza se esgote e possamos reconhecer a irresponsabilidade de seus atos – como quando o pai foge com sua filha ferida do hospital e, inicialmente, a cena possui certo humor, mas depois nos permite concluir quão errada é a atitude.

No meio do turbilhão de emoções que permeia a vida dos personagens, três atuações ganham destaque. Brie Larson é feliz ao demonstrar a fragilidade de Jeannette adolescente e a infelicidade da vida pasteurizada da Jeannette adulta. Já Harrelson consegue impor carisma e crueldade em Rex, que é o personagem com mais nuances ao longo pra projeção, justamente por sua capacidade de, por meio das mudanças de postura e entonação, soar doce ou malicioso. A surpresa, porém, fica com a jovem Ella Anderson, que interpreta a protagonista em sua infância. Com uma atuação segura e incisiva, a menina consegue expressar todos os conflitos de uma criança criada em uma família disfuncional, passando desde o medo ao ódio que motiva Jeannette a buscar uma nova vida.

Símbolos visuais também ganham força. O buraco no quintal que seria a fundação da casa de vidro e acaba sendo o depósito de lixo ganha enorme impacto quando vemos os olhares de esgotamento mental de Jeannette, a fazendo lembrar-se de todas as promessas vazias e fracassos de seu pai. Bem como os close-ups na caçula da família segurando seu urso de pelúcia enquanto seus pais brigam, retratando a inocência sendo contaminada e destruída diante da violência.

Falho na estrutura de seu roteiro e competente graças à intima direção de Cretton, O Castelo de Vidro é um drama biográfico eficiente e capaz de emocionar. Seu problema habita justamente na forma como constrói suas emoções – de forma covarde e manipulativa – beirando o maniqueísmo ao parecer anistiar todos os erros de um indivíduo, quando o ideal seria encontrar o meio-termo entre a construção da vilania ou do heroísmo do sujeito.

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