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O Destino de uma Nação

O Destino de uma Nação

Gustavo Pereira - 6 de janeiro de 2018

O Destino de uma Nação é o segundo filme sobre Winston Churchill a ser lançado num intervalo de três meses (leia a crítica do primeiro clicando aqui). A Segunda Guerra Mundial voltou a ser palco fértil para o cinema “blockbuster”: em julho, Christopher Nolan exibia ao mundo Dunkirk; agora, Joe Wright apresenta sua segunda leitura da Operação Dínamo (já havia abordado a evacuação da praia de Dunquerque em Desejo e Reparação). Este episódio específico da História Contemporânea tem apelo porque reflete o estado de espírito no qual o mundo se encontra hoje, como explicado detalhadamente neste artigo.

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Hitler aparece na imprensa e na cabeça de Churchill. Joe Wright retrata o ditador de extrema-direita como a antítese de todos os valores defendidos pelo Primeiro-Ministro britânico, exatamente o que inviabiliza qualquer possibilidade de se discutir um eventual termo de paz.

A ideia de uma força opressiva revigorada e irrefreável ameaçando as bases da sociedade não foi inventada pelos alemães e tampouco desapareceu com o fim do regime nazista. A história do resgate dos soldados britânicos é inspiradora porque serve de metáfora para a atual situação de boa parte do mundo – pelo menos, de acordo com a maioria dos produtores de cinema capazes de movimentar algumas centenas de milhões de dólares em bilheteria. Diferente de Dunkirk (assistir ao filme de Nolan antes de O Destino de uma Nação não é obrigatório, mas complementar), que aborda a forma como três indivíduos reagem ao chamado do dever no caos, Joe Wright trabalha com a coletividade, o reencontro de um líder com o povo que o representa e como essa conexão fortalece ambos contra um inimigo ameaçador e mais poderoso.

Do primeiro quadro exibido pelo filme, uma imagem de arquivo do exército alemão do Terceiro Reich, ao último, uma tela preta com uma citação de Churchill sobre a perseverança, o filme descreve um arco completo de luta incessante. O Destino de uma Nação cobre um recorte temporal inferior a um mês, entre a renúncia de Neville Chamberlain (Ronald Pickup) e o famoso discurso We Shall Fight on the Beaches. O filme se propõe a narrar os bastidores da ascensão de Churchill ao cargo de Primeiro-Ministro do Reino Unido e os conflitos que precisou resolver para conquistar a confiança do próprio partido, da oposição e do povo britânico.

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Churchill é retratado como o único capaz de liderar o Reino Unido para fora da crise da guerra. Um trovador trágico, que expunha sua verdade nos discursos memoráveis, mas era vítima de conspirações dentro do próprio partido: historicamente exagerado, narrativamente coerente.

Wright estabelece a cúpula do poder do Partido Conservador – da qual Churchill não fazia parte – como um organismo separado do resto da pátria, com seus membros sempre maquinando entre si sobre o que é melhor para eles. A primeira reunião, quando estão discutindo quem sucederá Chamberlain, tem um astuto uso de câmera no centro de uma mesa, partindo de Chamberlain para o Conde Halifax (Stephen Dillane) e de volta para Chamberlain, passando pelos outros membros da cúpula. A cada corte na linha de raciocínio deste “corpo”, um corte de câmera. Percebe-se com isso um certo fisiologismo, mas também boa dose de covardia. Churchill, como dito nos trailers, não era a primeira opção para o cargo. Mas o único em condições e disposto a assumí-lo.

Joe Wright martela a ideia de que Churchill é um nome de coalizão, alguém capaz de unir o Parlamento e liderar o Reino Unido contra os nazistas, mas faz uso de uma boa dose de humor para apresentar a sua personalidade conflitante e difícil. Bebidas, charutos e rompantes. O Destino de uma Nação apresenta o Churchill folclórico para, no decorrer do filme, mostrar alguém mais humano, com dúvidas, angústias e medos. Ainda insistirá com piadas pontuais ao longo de todo o filme, mas as minimiza a um nível suportável.

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Em O Destino de uma Nação, Churchill passa por um processo de autoafirmação, indo de escolha detestável para inquestionável. O personagem cresce com as adversidades.

A atuação de Gary Oldman, incensada como a melhor do ano para a temporada de premiações, de fato merece créditos. Não só pela caracterização (algo que pode render a O Destino de uma Nação, no mínimo, indicações para a categoria de Melhor Maquiagem), mas pela mescla entre mimetismos do Churchill original e escolhas particulares, todas incrementando a narrativa do personagem. Churchill tinha um notória dificuldade para articular palavras, algo que o tornava muitas vezes incompreensível. Oldman usa dessa dificuldade para isolar Churchill dos demais e ressalta o desconforto desse fardo que ele precisa carregar sozinho com uma acentuada curvatura das costas e um andar vacilante. Como sua esposa Clementine (Kristin Scott Thomas) diz em determinado momento, ele “carrega o peso do mundo nas costas”.

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É um plano recorrente o de personagens olhando para cima, como que procurando por um sinal de Deus para guiá-los diante das suas dúvidas.

A fotografia de Bruno Delbonnel talvez seja até mais impressionante do que a atuação de Oldman. Além de um contraste forte entre as cores dos diferentes ambientes do filme (a casa de Churchill é muito mais amena do que o Gabinete de Guerra e a reunião com o presidente da França se dá numa base aérea tão branca que parece o limbo onde as tropas dos dois países se encontram em Dunkirk, por exemplo), o desenho com luz é primoroso: Os ambientes internos estão sempre na penumbra, iluminados indiretamente por uma fonte de luz artificial ou pela luz vinda de janelas, deixando os espaços afastados da luz totalmente na escuridão. O melhor quadro do filme é exatamente uma tomada de um cômodo mínimo onde Churchill dá um telefonema, com mais da metade da tela de preto, deixando o Primeiro-Ministro enclausurado e isolado com o dilema que precisa resolver.

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Numa composição clássica, Churchill e o Rei George dividem cena pela primeira vez em planos separados, realçando a inimizade entre eles. Só vão aparecer juntos na tela no quadro maior, indicando que a preservação das instituições é mais importante do que desavenças pessoais.

O filme patina em certos pontos, como o desenvolvimento de Clementine e Elizabeth Layton (Lily James), principalmente pela relevância das personagens sugerida no primeiro ato: a esposa de Churchill é o estereótipo da “grande mulher por trás de um grande homem”, enquanto a secretária é um mero vínculo entre o político e o homem, um lembrete de que o Primeiro-Ministro está ali para proteger o povo e não para jogos políticos. Chamberlain também é apresentado como um antagonista forte e denso para o protagonista, mas perde essa força e se torna uma figura unidimensional no decorrer do filme. O Rei George (Ben Mendelsohn) também passa por uma mudança gratuita e, por fim, um dos pontos altos do filme ocorre numa situação tão romantizada que beira o surrealismo e quebra a suspensão da descrença – o que não impede que a referida cena seja maravilhosa pelo simbolismo que carrega.

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Churchill é o único personagem que, ao invés de olhar pra cima, olha pra baixo: ele não pode pedir ajuda, pois ele próprio é a ajuda. Esse paralelismo entre o Primeiro-Ministro e Deus faz sentido dentro do filme, a ponto da luz que incide sobre ele no Parlamento representar perfeitamente a própria bênção divina, um guia para o político manter o povo britânico esperançoso na vitória.

O Destino de uma Nação mostra a jornada de um homem encontrando a própria humanidade. Um político conservador (o último conservador digno de ser chamado de “estadista”) capaz de unir um país fragmentado e assustado e alimentar seu espirito com esperança de dias melhores. Churchill foi um dos grandes capazes de entender que políticas de Estado são mais importantes que políticas partidárias. Algo que anda em falta em pleno 2018.

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