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O Jovem Karl Marx

O Jovem Karl Marx

Wallace Andrioli - 19 de dezembro de 2017

Não é fácil contar a história que O Jovem Karl Marx conta. Apesar de ter sido um pensador ligado à ação política – “Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que importa é transformá-lo”, diz a última das Teses sobre Feuerbach –, Marx viveu a fase de sua vida contida no filme de Raoul Peck muito envolvido em debates teóricos com outros socialistas acerca das bases filosóficas a serem adotadas por tal movimento, embates que não são matéria-prima propriamente privilegiada para se mover adiante uma narrativa fílmica. Peck se esforça, no entanto. Tenta imprimir grandiosidade às disputas de Marx e Engels com figuras como Proudhon e Weitling pela condução do socialismo na Europa da metade do século XIX, mas parece haver alguma incompatibilidade entre a limitada atuação dos personagens naquele contexto (os próprios espaços pelos quais eles transitam são sempre pequenos, fechados e ocupados por grupos não tão numerosos de militantes) e a importância que o olhar retrospectivo lhes consegue dar.

Talvez seja possível dizer que faltam elementos que justifiquem, diegeticamente (ou seja, sem depender de tudo que é sabido para além do filme a respeito da centralidade decisiva do pensamento marxista no futuro do mundo), a atenção dedicada a Marx e Engels. Não ajuda nesse sentido a opção de Peck por encerrar O Jovem Karl Marx com a publicação do Manifesto Comunista, em 1848, resumindo num letreiro as revoluções que ocorreriam naquele mesmo ano, elas sim, material dramaticamente potente, capaz de inserir de maneira mais clara os personagens num contexto politicamente explosivo, realçando, assim, sua relevância.

Curiosamente, é quando foca em aspectos pessoais dos dois que o filme se torna mais interessante. Sobretudo em Engels (interpretado por Stefan Konarske), que carrega a contradição de ser filho e funcionário de um industrial e, ao mesmo tempo, teórico e militante de um movimento político que tem a classe de seu pai (logo, também sua) como inimigo fundamental. Já Marx (Auguste Diehl) surge como a perfeita encarnação do jovem militante de esquerda, quase totalmente desprovido dos mínimos meios de sobrevivência, mas, ainda assim, obstinadamente dedicado à causa na qual se engaja. Difícil não se identificar, até porque Diehl injeta bastante carisma no personagem, tornando-o um beberrão adorável, irresistível. Mas como Peck evita imprimir maiores contradições a essa figura que claramente admira, Marx acaba bem menos complexo e interessante dramaturgicamente que Engels.

Ao final, o diretor tenta explicitar a importância futura de seus personagens por meio de uma série de imagens de acontecimentos políticos do século XX, mas o faz de forma desconexa, desajeitada, sem parecer ter exatamente certeza do discurso que está construindo ao juntar, numa mesma sequência, a Primeira Guerra Mundial, a Grande Depressão, Che Guevara, Patrice Lumumba, um encontro entre John Kennedy e Nikita Kruschev, bombardeios no Vietnã, 1968 na França e na Tchecoslováquia, Salvador Allende, Ronald Reagan e Margaret Thatcher, Nelson Mandela, a crise do capitalismo iniciada em 2008 e o movimento Occupy Wall Street, tudo ao som de Like a Rolling Stone. Estaria Peck simplesmente dizendo, dessa forma solta, nada rigorosa, que todos esses personagens e eventos foram de alguma forma influenciados pelo pensamento marxista?

Mas o que mais incomoda em O Jovem Marx é mesmo o formato conservador da narrativa, biografia histórica convencional, quadrada, burocrática. Dentro da categorização proposta pelo historiador norte-americano Robert Rosenstone, se trata de um drama histórico comercial (conta o passado como uma narrativa com começo, meio e fim, personalizada e enquadrada numa visão progressiva de história e tentando produzir no espectador, por meio do naturalismo estético, a sensação de estar vivenciando o momento reconstituído na tela), protagonizado por um revolucionário que, enquanto tal, talvez coubesse melhor num drama histórico inovador (de estética antinaturalista, que busca novos vocabulários para representar o passado, construindo uma história mais complexa, interrogativa e autoconsciente). Vindo de um diretor que acabou de realizar um documentário politicamente potente e narrativamente criativo como Eu Não Sou Seu Negro, não deixa de ser decepcionante.

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