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O Menino que Descobriu o Vento

O Menino que Descobriu o Vento

Os primeiros passos de um diretor que já mostra boas ideias e potencial

Matheus Fiore - 6 de março de 2019

Baseado na história de William Kamkwamba, um jovem de Malawi que, para salvar sua família da fome, construiu um moinho que irrigava a terra e permitia que a colheita fosse feita durante as secas, “O Menino que Descobriu o Vento” é a estréia de Chiwetel Ejiofor (protagonista de “12 Anos de Escravidão”) como diretor de longas-metragens. Chiwetel se mostra, em sua estreia, um cineasta com uma visão muito afetuosa de seus personagens. É um artista que trata com muito carinho até aqueles que, de certa forma, ocupam a posição antagonista da obra. A ideia de Ejiofor com seu filme parece ser não só contar a história do pequeno gênio que salvou sua família, mas retratar o senso de comunidade e afeto que permeiam essa história.

Filmando quase sempre os personagens em conjunto, Ejiofor cria planos vívidos pela presença de pessoas (muitas pessoas). A mise-en-scène de “O Menino que Descobriu o Vento” é fortalecida justamente pela humanidade presente nela. Mesmo que haja simplicidade no ambiente – afinal, o Malawi é um dos países mais pobres da África –, o que a câmera busca não é destacar o que falta, mas o que há em abundância. É um trabalho de direção que busca exaltar o trivial, o corriqueiro.

A introdução dos personagens já dá o tom que é aproveitado por toda a narrativa. Antes de qualquer close-up que nos aproxime do rosto de algum dos moradores da vila onde William vive, a câmera busca planos abertos e conjuntos que mostrem os moradores do local convivendo juntos. Personagens em grupos são filmados na colheita, em um momento religioso e, posteriormente, em seus lares. São os três pilares da sociedade retratada: trabalho, fé e família. Em todos esses momentos, Ejiofor opta por, pelo menos inicialmente, filmar com planos abertos justamente para mostrar como as experiências da vila de William são coletivas: há um senso de união muito forte entre os personagens.

Estabelecer esses três pilares é importante, pois, a partir daí, “O Menino que Descobriu o Vento” passa a mostrar os efeitos da crise naquela sociedade. No ano de 2001, o desmatamento e o abandono do governo fizeram com que a vila de William passasse a não conseguir manter sua colheita, que era a base de toda a sustentação da comunidade. Como resultado, vemos a gradual degradação dos três pilares: as colheitas passam a ser cada vez mais áridas; as figuras religiosas passam a ser enfraquecidas – o líder espiritual da comunidade, por exemplo, acaba sendo fisicamente agredido por agentes do governo, que estavam descontentes com seus protestos; as famílias se fragmentam – a irmã de William, por exemplo, abandona sua família.

Um elemento que acaba subaproveitado (pelo menos na primeira hora) é a inteligência de William. O rapaz, que aos treze anos projetou um moinho que podemos dizer que salvou a vida de todos no lugar, raramente protagoniza cenas que nos permitam contemplar seu brilhantismo, se não pelos momentos mais diretos, nos quais ele estuda engenharia elétrica para preparar suas primeiras engenhocas. Outro problema do filme é o distanciamento emocional que Ejiofor estabelece entre público e trama. Além disso, há, no ato final de “O Menino que Descobriu o Vento”, o uso de uma bicicleta da família do protagonista como elemento decisivo para a solução da trama. O problema aqui é simples: esse elemento, que, no ponto da narrativa em que passa a ser disputado, é essencial, inicialmente parece ser algo pequeno, esquecível. Ejiofor não desenvolve suficientemente a importância daquela bicicleta para os personagens para que, no clímax, a decisão sobre o que fazer com ela se torne algo dramaticamente forte.

Voltando ao distanciamento, esse é um produto direto das escolhas emocionais do roteiro. Ejiofor, que, além de atuar como pai de William e dirigir, também escreve, escolhe uma abordagem muito respeitosa para com os personagens e a situação. Mesmo que a miséria esteja presente (principalmente na segunda metade do filme), ela não é “objetificada”; não é explorada pela câmera a fim de criar situações deploráveis para seus personagens. Chiwetel faz de seu filme não um meio de exploração da miséria, mas de enaltecimento da vida daqueles que viviam em condições precárias. Há sempre uma escolha que construa a simplicidade e pobreza da família sem que isso exponha em demasia sua condição, por exemplo: em vez de martelar o difícil acesso à educação, o roteiro faz da compra do uniforme escolar de William um evento a ser comemorado pela família.

Outro ponto negativo é como o filme tenta mostrar que os próprios personagens fogem de suas condições sociais, mas faz isso com o temor de entrar em tais temas – ou seja, também fugindo deles. Um diálogo (bastante expositivo, diga-se de passagem) mostra como William vê a escola como uma fuga de sua realidade, mas essa ideia jamais é discutida pelo roteiro, nem desenvolvida pelo próprio protagonista, que acaba flutuando entre várias ideias e servindo mais de guia do olhar do espectador do que como líder de sua própria jornada. Chiwetel parece almejar criar uma subtrama envolvendo sonhos escapistas para seu protagonista, mas isso não é aproveitado, e acaba ficando como uma ponta solta, um elemento desperdiçado.

Tendo como ponto forte justamente o fato de estabelecer a força da comunidade do protagonista como um grupo, para, posteriormente, mostrar como até o tecido social dessa vila é destruído pela crise política e financeira que resulta na fome, “O Menino que Descobriu o Vento” é um drama que mostra um cineasta cheio de boas ideias no que tange à construção de um universo cinematográfico. O único pecado de “O Menino que Descobriu o Vento”, que é o que o impede de ser uma obra grandiosa, é o fato de que, por haver um demasiado respeito para com os indivíduos retratados, Chiwetel Ejiofor acaba abrindo mão do potencial dramático do seu filme, o que faz do longa um pouco suave, mesmo que trate de assuntos com enorme capacidade de comoção. Dos males, o menor: errar por respeitar e admirar demais seus personagens pode ser um escorregão, mas jamais algo crucificável. Que Ejiofor nos traga mais filmes e apresente um bem-vindo amadurecimento como contador de histórias.

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