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Pendular

Pendular

Gustavo Pereira - 20 de setembro de 2017

Em Física, o movimento pendular é cíclico: qual o período para a repetição de um ciclo? Qual a frequência de ciclos dentro de um intervalo de tempo? Tais respostas variam, mas todo movimento pendular se vale de um fio inelástico e um ponto fixo.

O filme de Júlia Murat é construído precisamente nesta dinâmica de casal onde o tempo para os ciclos se repetirem variam, mas sempre se repetem. Não por acaso, os personagens de Raquel Karro e Rodrigo Bolzan não têm seus nomes falados durante a película. Creditados apenas como “Ela” e “Ele”, são o ponto material que, apesar de seus próprios fio e ponto fixo, completam o mesmo ciclo que todas as relações conjugais.

Ela é dançaria, Ele é escultor. Além de dividirem a cama, dividem também o ambiente de trabalho. Com uma fita crepe, marcam a fronteira no galpão onde a área de um termina e a do outro começa. Imediatamente após estabelecerem seus espaços, Ele começa uma brincadeira de “empurra” com um copo plástico velho. Responsabilizar o outro lado por um problema, terceirizando a sua solução, é a tônica de Pendular.

É constante no filme que a fotografia disponha elementos destoantes dentro de quadros harmônicos, causando um desconforto visual. O galpão, inicialmente vazio, rapidamente se enche com as obras d’Ele, tornando o espaço ao mesmo tempo atulhado e claustrofóbico. Ela, que precisa de espaço para desenvolver a sua arte, fica cada vez mais sufocada pela necessidade d’Ele por espaço. Essa invasão quase hostil se reflete no sexo entre o casal, com Ele sempre por cima, o rosto d’Ela virado para o chão.

Pendular trabalha brilhantemente com metáforas visuais, como a apresentação de dança que Ela faz com duas cadeiras. A representação do equilíbrio frágil, que demanda de muito esforço para conotar estabilidade, faz de Pendular um filme quase metalinguístico. A arte não é um meio, mas um fim em si, no qual o processo de composição diz tanto quanto o seu resultado.

A arte e o casamento – duas manifestações distintas do amor – são forças opositoras em vez de confluentes. Uma deveria potencializar a outra, mas as duas acabam por se anular mutuamente. A insegurança na veracidade da arte produzida mina o casamento, tornando a produção artística mais dolorosa e a convivência um tormento. Esse paradoxo aparece em outros dois personagens: o crítico Rui (Marcio Vito) e o designer Leco (Renato Linhares). Se o primeiro turva a fronteira entre amigo e crítico, o segundo coloca um muro entre a subjetividade da arte e a objetividade de sua propaganda.

O grande pecado de Pendular é diminuir acertos brilhantes com erros primários. O desejo d’Ele de “dar um filho” a Ela é construído nas sessões online de videogame jogadas com um adolescente do qual apenas ouvimos a voz. Não há tempo diegético o suficiente para que este desejo se torne parte do personagem. Ela tem um medo quase irracional por um mal que lhe acomete de uma forma incoerente com a resolução demonstrada anteriormente de evitá-lo. A busca pela origem de uma obra d’Ele, tratada com importância pelo roteiro, se resolve de forma que o público não tem nenhuma ferramenta para interpretar a informação, tornando-a irrelevante.

Um filme com ideias tão vivazes precisava ter um roteiro que contasse sua história sem tais incoerências. A belíssima rima visual entre o primeiro e o último atos, mostrando que o equilíbrio de um pêndulo se dá pela completa anulação das forças exercidas sobre ele, deixa a sensação de que Pendular antecipa a percepção que se terá dele. Pode nascer uma ilusão de equilíbrio em meio ao caos, mas isso só é possível porque os elementos certos estão nos lugares errados.

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