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Quem Você Pensa Que Sou

Quem Você Pensa Que Sou

Estudo da distância entre mundo real e redes sociais é o ponto alto de filme de Safy Nebbou

Matheus Fiore - 11 de setembro de 2019

Em “A Rede Social”, um de seus grandes filmes, David Fincher acompanha a história de um universitário que, insatisfeito com seu isolamento social e seu fracasso na tentativa de cultivar relacionamentos, cria um mundo de relacionamentos virtuais. Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg, no melhor trabalho de sua carreira até hoje) tenta, então, utilizar o virtual como ponte para chegar ao real: torna-se alguém importante nesse mundo virtual que inexiste fisicamente para, então, conseguir se aproximar e se tornar relevante para aqueles que o cercam. Em seu novo filme, o francês Safy Nabbou trabalha sua trama baseado em uma relação entre protagonista, mundo físico e mundo digital semelhante à vivida por Mark Zuckerberg em “A Rede Social”.

Na história, Juliette Binoche vive Claire, uma mulher de meia-idade que, após o término de um casamento que durou décadas e resultou em dois filhos, busca novos amores. Claire cria, então, uma personagem fictícia e começa um relacionamento virtual com Alex (François Civil). A personagem, “Clara”, um típico fake de internet, é não uma mulher de meia-idade, mas uma jovem de apenas 24 anos. O que ocorre, porém, é que Claire se torna refém de Clara e do mundo virtual onde essa persona existe. Assim como, ao fim de “A Rede Social”, Mark Zuckerberg se torna um escravo do botão F5, tecla que ele aperta incessantemente enquanto aguarda sua ex-namorada aceitá-lo como amigo no Facebook, Claire se torna uma escrava da atenção que Alex dá a Clara, a ponto de prestar atenção nas sinalizações de que ele está online, como a mencionada bolinha verde do chat do mesmo Facebook.

A personagem de Juliette Binoche conversa no telefone enquanto deitada na cama

Claire e Alex, porém, possuem visões muito distintas dessa relação entre físico e virtual. Alex, um rapaz mais jovem, de trinta e poucos anos – quase um millennial –, vê virtual e físico como mundos complementares – o que é expresso por sua vontade constante de encontrar-se com Clara –, enquanto, para Claire, o virtual é um escape da realidade. Claire cria sentimentos dependentes da manutenção de um mundo platônico que ela jamais poderá transformar em realidade.

Essa relação da protagonista com o virtual é bem delineada pelo roteiro e pela fotografia do filme. Enquanto o texto mostra como a personagem que, a princípio, mal utilizava o celular, aos poucos se torna dependente dele, a direção de fotografia utiliza uma paleta de cores fria e azulada, criando uma conexão entre Claire e as luzes projetadas por seu smartphone.

O personagem de François Civil tira uma foto

Apesar dessas interessantes ideias, o terço final de “Quem Você Pensa Que Sou” acaba redirecionando seu foco. Sai o estudo da relação dos personagens com a tecnologia e como ela impacta a vida de cada um, entra um estudo psicológico mais superficial e preso apenas à protagonista, o qual é acompanhado por uma sequência de reviravoltas também não tão interessantes. Nebbou põe de lado uma atmosfera mais melancólica inerente à situação da protagonista, que vive uma mentira com data de validade, e transforma seu filme em uma trama quase policial, na qual as revelações ressignificam pontos importantes da obra e subvertem os rumos dos personagens.

Ainda que defenda bem sua personagem conseguindo expressar tanto a insegurança de uma mulher solitária quanto a excitação de uma pessoa que se sente renovada, Juliette Binoche não é capaz de levar “Quem Você Pensa Que Sou” nas costas. O drama de Safy Nabbou cria boas ideias, mas parece incapaz de desenvolvê-las para além de uma análise bastante superficial da relação humana com as redes sociais. Aliás, não só incapaz; Nabbou também parece, no meio do caminho, mudar seu objeto de estudo, de forma que, saindo de um ponto ao outro, não consegue definir um meio termo que faça “Quem Você Pensa Que Sou” um filme tão bom quanto o potencial apresentado permite ser.

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