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Raia 4

Raia 4

O coming of age sobre águas

Claudio Gabriel - 30 de abril de 2021

A primeira cena e a última de “Raia 4” começam pela água. Diferente dos coming of age que começam dentro de uma base mais concreta da vida do protagonista, por aqui acompanhamos a jornada de Amanda (Brídia Moni) sempre através desse elemento aquático. E isso perpassa diversos elementos, desde realmente sua busca em se tornar uma nadadora de sucesso, até os diferentes conhecimentos de uma adolescência. E nelas está envolvido o principal motivo da própria existência dos seres humanos, que é a água – essa que envolve boa parte de nosso corpo. Porém, como esses elementos se compartilham? Sempre através da descoberta, do novo e de se envolver com isso que irá aparecer. O que não tem esse elemento envolvido para a personagem é transformado em dor, sempre.

Essas questões aparecem de forma concreta logo quando observamos os primeiros conflitos dela. Muito quieta e tímida, ela encontra dentro da natação uma vontade de transformar a vida em algo maior, numa espécie de refúgio. Ao mesmo tempo, Amanda precisa lidar com a necessidade simples de crescer e viver. Desse jeito, os conflitos com os pais e os relacionamentos amorosos aparecem como uma forma de normalmente a parar. No entanto, o grande chamariz para amplificar suas descobertas sobre o universo ao redor é o aparecimento da colega de equipe nas piscinas, Priscila (Kethelen Guadagnini).

Tal elemento é fundamental para que possamos ver a protagonista sobre diferentes óticas. Inicialmente, por exemplo, a observamos como alguém com receios sobre o próprio corpo. Uma cena que demonstra isso claramente é quando ela acaba sendo atingida no pescoço em um treino. Para a personagem é uma dor, mas que acaba se transformando em uma possibilidade de se trnasformar na fala de Priscila: “parece um chupão”. Até ali, a jovem de 12 anos não visualizava possibilidades de um entendimento sexual. Porém, apenas isso se torna um espectro para entender mais de seu próprio corpo. O mesmo também é visto de um ângulo mais direto, quando ela ouve e vê os pais transando.

Todavia, esse mundo de possibilidades está sempre relacionado em como a menina irá lidar sobre si mesma. Nesse quesito, é curioso como a direção de Emiliano Cunha tenta sempre dar um enfoque para uma reação por parte de Amanda. “Raia 4” tenta se basear bastante em um jogo de ação e reação, mas que acabam sempre deixados de lado para um confrontamento sobre a forma como ela irá reagir. E, o que se torna em uma espécie de conflito do próprio longa, nunca se assume um verdadeiro espaço para que esse conflito da personagem aconteça. É como se obra passasse por isso tudo, abrindo apenas esse lado do amadurecimento de uma forma já futura. De certa forma, é quase como o cineasta acreditasse que o público já entendeu a forma como ela reagiu àquilo tudo que acontece.

Como dito antes, o elemento da água acaba sendo fundamental para que seja possível compreender mais da personagem. E são nesses instantes que a produção abraça de vez uma espécie de catarse particular. Porém, isso não está relacionado apenas na piscina, mas também a tudo que cerca isso. Um exemplo é sobre a saliva ou o suor, até mesmo o choro. Em todos esses ambientes e situações que envolvem o corpo, está conectado um momento marcante para qual o filme se direciona. Desse jeito, o beijo é tratado como um elemento relevante para se entender como pessoa nesse microcosmo social da adolescência. Do mesmo modo, o suor na testa após um treino também é fundamental para se fazer parte disso. A epopéia desse conjunto se concentra, claro, na própria natação, como se fosse um abraço a toda essa realidade de emoções e sensações.

Emiliano Cunha constrói um filme que busca muito uma espécie de aceitação própria para existir. “Raia 4” parece, em muitos instantes, quase não se aceitar dentro da essência em ser abraçar o lado mais da sensibilidade. Sendo assim, todo seu elemento mais principal, em relação ao elemento da água, parece muitas vezes ser desvalorizado pela direção. É como se instantes, mágicos na existência de um coming of age, não tivessem um verdadeiro caráter ainda maior. Amanda, centro das atenções da narrativa, se torna uma subserviente, pouco tendo espaço para um verdadeiro desenvolvimento de sua história ali dentro.

Apesar disso, quando obra consegue abraçar seu lado quase experimental do jeito de tratar o assunto, traz uma camada de quebra sobre esse universo. É quase como que a protagonista estivesse quebrando sua ilusão sobre um mundo perfeito que poderia vir pela frente no mundo adulto. Desse jeito, ela retorna, assim como uma criança na barriga da mãe, na posição fetal dentro da água, assim como na primeira cena. Nesse caminho do amadurecimento, é muito mais complexo se tornar algo e mais fácil apenas aceitar o trajeto.

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