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Replay

Replay

O ontem e o hoje são um só. As contradições e ambiguidades da mídia

Michel Gutwilen - 25 de agosto de 2020

Como o próprio título indica, a ideia de tempo é fundamental em Replay, do diretor Julio Napoli. Passado e presente vão se intercalando em um filme que consiste em um grande jogo de sugestões proposto pela montagem. Através dela, reportagens da Rede Globo, tanto dos dias de hoje quanto do passado, vão se ressignificando conforme são exibidas. Portanto, o que existe aqui é menos uma ideia dialética entre tempo pretérito e o hoje, mas uma aproximação quase atemporal do comportamento midiático. 

Assim, uma das primeiras coisas que Replay deixa claro é evidenciar a mentira que é o conceito de nostalgia. Primeiramente, o que é apresentado são retrospectivas dos anos 70. Crianças abandonadas indo para o mundo do crime e assassinatos em série marcam algumas das reportagens escolhidas. Posteriormente a tais imagens cruas de arquivo, vamos para a década 2000 e o que surge é uma cidade cinematográfica no Projac, com Glória Maria e Sérgio Chapelin — este é homenageado por Napoli logo no início — saltando de um bondinho, filmados em alta resolução. A primeira frase dita pelo apresentador é “que saudade do Rio antigo”. Neste sentido, a exposição da farsa não só se dá através de uma contradição entre o falado e o mostrado, mas pela própria cenografia construída artificialmente dentre os estúdios Globo.

Essa sequência nos leva a um conceito chave do média metragem de 30 minutos: o da construção de discursos. Para Napoli, o ontem não é melhor que o hoje, algo que o monopólio midiático quer que acreditemos. Então o que a montagem paralela vai insistindo, através da alternância entre passado e presente, é que certos fenômenos são atemporais. A violência urbana, a corrupção e a guerra são constantes em mundo globalizado desigual, que parece seguir um fluxo de tempo cíclico.

Por outro lado, não se poderia dizer completamente que Replay é só um ataque ao sistema midiático, com Napoli reconhecendo que não se trata de uma questão maniqueísta. Isso fica evidente na segunda metade no filme, na qual vemos, por quase dez minutos, imagens de arquivo que possuem como tema o avanço do movimento feminista e denúncias de agressões contra a mulher. Novamente, o diretor trabalha a ideia de contradição. Afinal, por um lado, a mídia teve seu papel ao difundir e dar voz a esses movimentos. Contudo, foi a mesma que também ajudou a sexualizar e objetificar o corpo da mulher. Se essa “outra perspectiva” é importante para o que Júlio está tentando propor, em teoria, o protagonismo de um tema por quase um terço da duração do filme, na prática, soa um olhar um tanto quanto didático demais, traindo o ritmo desordenado e caótico de pontos focais que predominava anteriormente.

Além disso, a sequência feminista também deixa mais evidente certas simplificações de pensamento que existem em Replay. Afinal, em um filme como este, a mise-en-scène do diretor pode ser verificada pelo conteúdo das sequências escolhidas e, principalmente, pelo modo como elas são ordenadas através da montagem. Em certos momentos, a obra de Júlio possui uma abertura a tantas interpretações a ponto de não ser possível entender se o seu alvo de ironias é a cobertura midiática em si ou a própria sociedade. Por exemplo, o que significa encaixar Margaret Thatcher no meio das conquistas femininas? Evidenciar que mesmo em tal movimento houve contradições? Ou seria apenas uma exposição sem julgamento dos acontecimentos na época? De similar modo, apenas trabalhar com a ideia de que certos comportamentos, como a violência, são atemporais pode levar a uma a-historicidade que ignora as condições socioeconômicas que particularizam cada tempo. No fim, trata-se de um filme contraditório que combina perfeitamente com as contradições da mídia.


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