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Rocketman

Rocketman

Um musical da Broadway projetado na tela grande

Gustavo Pereira - 29 de maio de 2019

Quando Elton John (Taron Egerton) entra numa reunião de Alcoólicos Anônimos vestindo uma roupa de palco, começa a contar a história de sua vida e tudo se torna um número a la “Glee” de “The Bitch is Back”, o diretor Dexter Fletcher deixa sua escolha clara: “Rocketman” não é uma cinebiografia focada na precisão histórica, linha que, por exemplo, James Mangold adotou para contar a história de Johnny Cash em “Johnny & June”.

Rocketman Elton John Taron Egerton

Isso não é um problema. É apenas necessário que o público calibre suas expectativas. Nesse sentido, começar o filme com uma sequência que resume a sua aura é uma decisão inteligente e honesta. Até porque as sequências musicais de “Rocketman” são o que o filme tem de melhor a oferecer. Fletcher valoriza as belas coreografias com planos abertos e longas tomadas, permitindo que espectador tenha tempo para ver o que acontece na frente, no meio e no fundo de cada quadro. O editor Chris Dickens usa os andamentos das canções para fazer transições entre as fases da vida de Elton de forma orgânica. Os cortes são quase invisíveis, o que deixa a história mais dinâmica.

Outra característica das escolhas de Fletcher (e do roteirista Lee Hall) é o descompromisso linear entre o período histórico e a canção que o ilustra. Na já citada “The Bitch is Back” (que realmente se refere a uma faceta de Elton John, mas que só viria a existir duas décadas depois) e em “I Want Love”, por exemplo (nesta, Fletcher inclusive ensaia mimetizar a linguagem visual do clipe da música), a liberdade de reinterpretar os sentidos das canções de Elton e utilizar onde considera mais conveniente aumenta as possibilidades de “Rocketman”. Contudo, como dizia o poeta Chorão, “cada escolha é uma renúncia”: os fãs do cantor, que gostariam de ver no filme como canções icônicas foram compostas, terão uma decepção.

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Embora não creditado como tal, Dexter Fletcher assumiu a direção de “Bohemian Rhapsody” após o desligamento de Bryan Singer. Compará-lo a “Rocketman”, até pela proximidade entre os lançamentos, é inevitável. De fato, a espinha dorsal do filme de Fletcher é muito similar. Uma criança retraída mas talentosa (cantando e tocando piano), com uma família disfuncional (a figura do pai representando um trauma mal resolvido). A criança cresce, monta sua própria “família” no mundo da música, cai em desgraça e depois ressurge.

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O mundo da música não é tão diversificado assim e, de fato, esse “roteiro” é bastante comum. O que chama a atenção é que, tanto em Freddie Mercury quanto em Elton John, a orientação sexual seja associada ao momentâneo “fracasso” do protagonista. É por escolher ter um relacionamento homossexual com o agente John Reid (Richard Madden) que Elton abandona sua “família” e cai em desgraça. “Rocketman” também aparenta ter certo receio em falar sobre esses baixos da vida de seu protagonista. Uma crise com a mãe (Bryce Dallas Howard)? Uma tentativa de suicídio? Uma overdose? Tudo é rapidamente respondido com canções. Primorosamente coreografadas e fotografadas, mas que tiram o peso do que aconteceu imediatamente antes.

Rocketman Elton John Taron Egerton

“Rocketman” é uma grande releitura. Um musical da Broadway projetado na tela grande. Taron Egerton é Elton John como Michael Fassbender é Steve Jobs: uma atuação sólida, mas despreocupada em copiar cada mínimo detalhe do original (o que não reduz em nada os méritos dos dois atores). O filme é pensado de um grande número musical para o outro, como “Across the Universe” faz com os Beatles.

E, assim como em “Across the Universe”, os espaços entre duas canções são desconfortavelmente vazios.

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