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Rolê – Histórias dos Rolezinhos

Rolê – Histórias dos Rolezinhos

Investigação sobre estruturas raciais e higienismo na sociedade

Júlia Pulvirenti - 15 de outubro de 2021

Os “rolezinhos” marcaram o Brasil por volta de 2013, quando adolescentes periféricos começaram a ocupar os shoppings de algumas capitais. O que muitos não sabem é que esse movimento não se tratava apenas de diversão em centros urbanos. Mais do que uma multidão que caminha e canta, era um grande manifesto contra o racismo institucional. O contexto social e cultural é o que torna Rolê – Histórias dos Rolezinhos tão necessário.

O documentário de Vladimir Seixas vai além de explicar a história por trás das mobilizações. Afinal, não há como falar de jovens da periferia sem falar de racismo e todas as suas problemáticas. O movimento não se separa dos preconceitos latentes no Brasil. Por isso, Seixas escolhe uma abordagem mais abrangente, conferindo rostos importantes para a narrativa e expondo suas dores e desejos. A montagem alterna entre imagens de arquivo e momentos atuais com quem participou dos “rolezinhos”. Nas cenas em que se revisita o passado é quando a obra ganha maior potência. Vemos a imprensa que distorce o movimento, racistas abismados com a força da juventude, protestos e violência policial. Interessante que o diretor não esqueceu de expor Rachel Sheherazade, jornalista símbolo da classe média preconceituosa, que chegou a defender pessoas que amarraram um jovem negro em um poste. Hoje, a comunicadora se diz contra o governo Bolsonaro, mas seu passado mostra algo muito mais terrível.

A escolha de trazer esse assunto para debate, anos depois do ocorrido, é muito inteligente. Seixas mostra uma arte de rua de Marielle Franco. As manifestações por conta de João Alberto, homem que foi espancado até a morte por dois seguranças do Carrefour, em Porto Alegre. O anúncio de que Bolsonaro é o novo presidente do Brasil. Tudo está interligado com a origem racista do Estado. Falar sobre isso atualmente é fundamental para que a realidade se transforme. O diretor apresenta, ainda, outro mérito: não se preocupa com a didática. O documentário não é feito para educar pessoas brancas, mas sim para ouvir a juventude preta e exibir os horrores da nossa sociedade.

Eu como mulher branca fiquei pensando muito na questão espacial. Nunca fui perseguida dentro de um shopping. Não me olharam com um ar de desconfiança. O shopping, que é, para boa parte da população, algo tão banal, se torna cruel para muitos outros. Ser privado do lazer é desumano. Seixas arquiteta muito bem os planos das imagens atuais, conseguindo captar certos olhares quando a mulher negra entra em uma loja ou quando divide espaço com seguranças invasivos. Os reflexos também são bem trabalhados, pois mostram pessoas brancas “de olho” nas pessoas pretas. É muito sutil, porém, poderoso. A cena da performance das mulheres também é muito bonita, pois mostra a importância da arte naquilo que é difícil de ser dito.

É uma obra que investiga o racismo nas suas origens, mesmo com apenas 82 minutos, e que não fecha os olhos para o agravamento da situação através do capitalismo. Sem didatismo barato, Rolê – Histórias dos Rolezinhos definitivamente ganhou meu coração neste Festival Internacional de Curitiba.


Este texto faz parte da nossa cobertura para a 10ª edição do Olhar de Cinema.
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