Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

Sem Dor, Sem Ganho (2013)

Sem Dor, Sem Ganho (2013)

“Os Lobos de Malibu” (ou como o sonho americano é idiotizante)

Matheus Fiore - 4 de fevereiro de 2020

Michael Bay é apontado por muitos como um dos “vilões” do cinema contemporâneo. O diretor, conhecido por sua estética baseada em movimentos de câmera bruscos, contra-plongées que edificam os personagens e uma montagem que retalha deliberadamente a ação e explora os limites da elipse, muitas vezes erra. Sua saga “Transformers”, por exemplo, é um grande festival de erros e acertos. Quando tenta intelectualizar ou dramatizar demais seus filmes, Bay acaba soando genérico ou falso, diferente do resultado estético alcançado por suas cenas de ação, que mesmo que quebrem a lógica de um cinema mais clássico, mais focado em construções visuais de montagem mais discreta, ainda são visualmente muito impactantes.

Em “Sem Dor, Sem Ganho”, de 2013, Bay parece ter alcançado o ápice de seu estilo. Partindo da história real de uma gangue de bodybuilders que decidiu sequestrar um milionário para roubar seu dinheiro, Bay consegue versar sobre a relação da sociedade com o sonho americano como poucos fizeram na  última década. O diretor utiliza as características de cada personagem como um potencializador de suas ideias. O sucesso vem justamente pelo fato de Bay contar a história de figuras que vêem o mundo da mesma forma como ele vê seu próprio cinema: como um grande e extravagante espetáculo. No caso de Bay, o fim é a forma em si; é, geralmente, impactar pelo mero impacto. No caso dos protagonista de “Sem Dor, Sem Ganho”, o fim é realizar o sonho americano.

Para começar, é interessante como o diretor articula as ações do trio Daniel Lugo (Mark Wahlberg), Peter Doyle (Dwayne Johnson) e Adrian Doorbal (Anthony Mackie) sempre partido da ação. A narrativa os constrói com o estereótipo do bodybuilder preconceituoso – homofobia, machismo e gordofobia fazem parte do caráter dos personagens –, que vê a própria força como um elemento que o eleva em relação ao restante da sociedade. Com isso, “Sem Dor, Sem Ganho” acompanha o estilo típico de Bay, que sempre procura a ação, mas de forma que relaciona e alinha essa estética perfeitamente com a personalidade do trio protagonista.

O curioso, porém, é notar como Bay parte da ação para sempre chegar na comédia. Não só Lugo, Doyle e Doorbal são completos imbecis, mas os personagens a sua volta também o são. Muitos podem se perguntar se Bay realmente teve essas pretensões de análise social dos Estados Unidos ao criar “Sem Dor, Sem Ganho”. Para mim, a chave para a questão e para compreender a pretensão de Bay está no personagem de Ed Harris, o detetive aposentado Edu Dubois. Dubois é um sujeito sem pretensões financeiras ou profissionais, já curtindo sua aposentadoria e distante do acelerado mundo capitalista representado no filme. Suas falas sempre serenas acabam extremamente contrastadas com praticamente todo o restante do elenco. Diante de um elenco de palhaços, Dubois parece um detetive do mundo real, perdido em um mundo de pessoas insanas.

A dançarina Sorina (Bar Paly), por exemplo, também é retratada como uma personagem estúpida e influenciável, justamente por, dentro do cosmo do filme, viver em função da busca do sucesso na América – no caso, Sorina sonha em ser uma grande estrela de Hollywood. Ao analisarmos o restante do elenco, outros personagens também compõem esse cenário, como o tabelião e empresário John Mese (Rob Corddry), que abandona toda e qualquer preocupação com a ética e com a lei quando vê na trapaça uma oportunidade de enriquecer. O mesmo vale, inclusive, para o milionário sequestrado pelo trio protagonista, Victor Kershaw (Tony Shalhoub), que é um dos mais surtados personagens do filme – não à toa, é, ao lado de Ken (Johnny Wu), o único da trama que alcançou o sucesso financeiro.

Com esse cenário desenhado, Bay consegue partir dos conflitos individuais de cada um desses personagens para retratar a corrida pelo sucesso como uma grande piada. É como se o modelo da sociedade capitalista americana tornasse aqueles sujeitos tolos e bitolados. De certa forma, é uma obra que dialoga bastante com “O Lobo de Wall Street”, de Martin Scorsese, lançado no mesmo ano. Ambos os filmes, inclusive, previram como poucos o estrago que os “coaches financeiros” fariam em uma sociedade mentalmente e economicamente frágil.

O estilo de Bay parece nunca ter casado tanto com uma história quanto casou com a de “Sem Dor, Sem Ganho”. As narrações individuais que introduzem cada um dos personagens nos mostram como cada um tem seus sonhos e pretensões, suas próprias buscas pelo sucesso. Mas, além disso, toda a construção visual do filme corrobora essa ideia. A união do trio principal para executar um golpe e ascender na vida se torna um momento para a câmera utilizar ângulos e movimentos que enalteçam aqueles personagens como heróis, pois Bay cria essa narrativa que, ao mesmo tempo, critica a América, mas também fala de dentro dela. Sai a edificação ao militarismo, entra a edificação ao sucesso a qualquer custo. Os heróis não são mais os protetores da pátria, mas os bitolados por ela.

Nesse mundo doentio que Bay retrata, também podemos perceber como os padrões e referências parecem distorcidos, já que o dinheiro e o lucro são o único fim. O que faz Adrian admirar e idolatrar Daniel, por exemplo, não são questões morais ou éticas, mas sua capacidade de bolar um plano para… Ficar rico. Mesmo que geralmente utilize, dentro da narrativa, o dinheiro apenas como um dispositivo que atrai as cenas de ação e as reviravoltas do enredo, Bay faz com que o dinheiro seja a força motriz interna de todos os personagens. Ao fim, Daniel Lugo é condenado à cadeia e parece sequer poder conceber o peso de tudo que executou, pois, para um sujeito nascido e criado no coração do capitalismo, assassinar pessoas ou cometer crimes como sequestro e estelionato, não são um problema. O problema é não ficar rico com isso.

Topo ▲