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Sem Fôlego

Sem Fôlego

Gustavo Pereira - 19 de janeiro de 2018

“Sem Fôlego” é um exemplo clássico de filme que deixa o espectador esperando por uma próxima cena que nunca vem. Uma cena em que a história dê o seu salto qualitativo, se tornando maior do que a soma das suas partes individuais. Mas o filme de Todd Haynes nunca dá esse salto, se limitando a ser uma alegoria pobre de Eterno Retorno.

Sem Fôlego Wonderstruck Millicent Simmonds Julianne Moore Oakes Fegley Jaden Michael Todd Haynes Brian Selznick

Já em sua primeira cena, quando somos apresentados a Benjamin (Oakes Fegley), o roteiro de Brian Selznick vai pelo caminho mais preguiçoso possível para estabelecer o personagem: sabemos que ele é órfão porque a criança, sem nenhuma razão além de esfregar isso na cara do público, olha uma matéria recortada do jornal sobre a morte da mãe. Um papel com a famosa citação “Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós estamos olhando para as estrelas” de “O Leque de Lady Windermere” (Oscar Wilde, 1893) é imediatamente associado a ela num flashback, para que não haja dúvidas de que ele sente a perda da mãe. E uma discussão entre os dois também demonstra o quanto não saber quem é seu pai incomoda Ben. “Sem Fôlego” não deixa muito espaço para sutilezas.

O “pulo do gato” de “Sem Fôlego” é a edição estrutural. O filme se alterna entre os acontecimentos com Ben em 1977 e os com Rose (Millicent Simmonds) 50 anos antes. A garota surda tem uma conexão especial com o cinema, pois surdos e ouvintes podem assistir a filmes mudos em igualdade de condições. E é Simmonds, de fato surda, o destaque positivo do filme. Além da óbvia honestidade que cede à personagem, a atriz-mirim consegue atuar flutuando entre a sutileza e a intensidade, sendo capaz de protagonizar longas sequências sozinha, estampando no olhar os sentimentos de curiosidade, ansiedade, medo e deslumbramento.

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As expressões faciais Millicent Simmonds compensam por ampla margem a sua parte do filme ser contada praticamente sem diálogos: atriz promissora.

Haynes, que tem no portfólio filmes excelentes como “Carol” (seis indicações ao Oscar) e “Velvet Goldmine” (premiado no BAFTA, em Cannes e no Independent Spirit Awards), tem uma direção errática em “Sem Fôlego”. A ideia de registrar a ação envolvendo personagens surdos na perspectiva deles, cortando completamente o som e usando câmeras em primeira pessoa, funciona perfeitamente para passar o isolamento e os perigos aos quais um deficiente auditivo está exposto em uma cidade grande, quando as crianças percebem gradativamente os riscos aos quais estão expostas após uma fuga impulsiva de suas casas. O diretor também consegue captar a grandeza impessoal da Nova York em duas décadas icônicas, antropomorfizando a cidade e dando a ela relevância narrativa. Mas a ênfase que ele dá à comunicação verbal torna o filme arrastado e cansativo. A amizade de Ben com Jamie (Jaden Michael) é um recurso escancarado para justificar diálogos no filme, estes mais artificiais do que economia especulativa.

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Ben e Jamie: amizade conveniente ao roteiro. E só.

A fotografia faz uma alternância entre tons quentes e frios para diferenciar a vida de Ben antes e depois da morte da mãe, mas o roteiro não estabelece porque a vida do menino é tão triste na casa da sua tia Jenny (Amy Hargreaves). A escolha por uma paleta sépia na Nova York de 1977 dá um efeito documental à cidade, mas não acrescenta nada à narrativa (chega a ser conflitante com o estado de espírito de Ben). Nesse aspecto, a “parte Rose” de “Sem Fôlego” funciona melhor, pois ela é toda rodada em preto e branco, emulando um filme mudo. Isso é reforçado pela trilha sonora, repleta de mickey mousings. Carter Burwell também pega emprestado de Angelo Badalamenti (“Twin Peaks”) o romantismo exagerado, principalmente nas variações do tema de Rose, muito semelhantes à “Love Theme” da série de David Lynch.

Se “Sem Fôlego” é ousado ao dar todo o protagonismo da história a crianças, relegando atrizes como Juliane Moore e Michelle Williams à coadjuvação, fracassa ao dar a estas crianças uma história tão lúdica que se torna previsível. Simbologias como a do lobo são jogadas sem nenhum desenvolvimento, paralelismos são forçados além do limite do aceitável e a conclusão, ao unir as duas histórias da forma mais óbvia possível, diminui os poucos méritos que conquistaram individualmente (principalmente a de Rose).

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De qualquer forma, a participação de Julianne Moore não contribui para “Sem Fôlego”

Surpreende que Brian Selznick, autor do livro de onde “Sem Fôlego” foi adaptado, tenha transcrito sua história para o cinema de forma tão previsível e pobre. Aliado a uma direção mecânica, uma fotografia desconexa e uma trilha burocrática, o resultado final é um filme regular e esquecível.

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