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Terror Cego (1971)

Terror Cego (1971)

O mal fantasma, sem rosto, vindo da pura essência humana

Matheus Fiore - 29 de julho de 2020

Terror Cego, de Richard Fleischer, tem algumas características bem peculiares. Ao passo que, podemos, sim, considerar a obra um terror pela situação que é desenhada e como ela influencia e manipula nossos sentimentos – um misterioso assassino que persegue uma jovem cega – todo o universo do longa e seus elementos são postos de forma muito natural. A espontaneidade é uma característica basilar de Terror Cego. O surgimento do vilão não se dá sob o acompanhamento de uma trilha sonora aterrorizante ou manipulação da imagem para criar um cenário sombrio. Em Terror Cego, o mal é natural, se materializa na narrativa e age de forma irracional, instintiva.

O filme, sim, nos manipula para que fiquemos apreensivos. Quando Sarah caminha pela casa sem saber o mal que se avizinha, pisando entre cacos de vidro jogados no chão que revelam um conflito recente, está claro que há algo de errado e que podemos esperar pela chegada de algum tipo de mal. Fleischer, porém, manipula esses sentimentos de forma contida e meticulosa. Ele quer, antes de nos dar o terror, construir o cenário social que dará sentido a Terror Cego.

Afinal, o filme mostra uma grande mansão da burguesia que é cercada por, além de trabalhadores da família proprietária, um grupo nômade de ciganos, que é vilanizado instantaneamente pelos jovens ricos. Fleischer, portanto, cria essa relação com atritos, na qual os patrões são exigentes e maltratam seus funcionários e não vêem os nômades como algo além de um obstáculo na estrada. O resultado disso é um filme que desafia o julgamento do espectador. Porque, claro, o mais óbvio no contexto de Terror Cego é acreditar que alguém de fora da família, no caso um funcionário ou um dos ciganos, é o vilão misterioso cujo as botas estreladas são a única parte do visual a qual temos acesso.

Em Terror Cego, o horror existe no que a protagonista não vê. Há um segmento de em torno de trinta minutos no qual Sarah sequer sabe que está sozinha com um assassino dentro de casa. O interessante dessa relação, entretanto, não é meramente o suspense desenvolvido sobre essa situação, mas o fato de que, nós, o público, também desconhecemos esse terror, já que a única tensão estabelecida até aquele ponto do filme é a entre classes, que norteia os comportamentos dos personagens, mas sem se revelar de fato a motivação da narrativa.

Quando tomam conhecimento da anormalidade que ronda a mansão, os jovens ricos quase que instantaneamente vão até os ciganos tirar satisfação. Já os ciganos, por sua vez, agem sempre para proteger os seus, sabendo da disparidade de poder que existe entre eles e os burgueses. A sacada de Fleischer, porém, é usar essa tensão de classes apenas para manipular nossa expectativa, já que, no fim das contas, o mal de Terror Cego passa longe de se explicar por diferenças sociais ou econômicas. É um mal sem causa ou origem, sem desejo ou objetivo, que vem da própria essência humana. O que Fleischer faz em Terror Cego é evidenciar como estaremos sempre à mercê desse mal, independente do nível de proteção que nossa classe social traga.

Levando em conta que o antagonismo do filme recai justamente na figura sem rosto que personifica o mal, é interessante lembrar como o primeiro ato de Terror Cego não exatamente rejeita o terror, mas sequer esboça os caminhos do gênero. A obra tem uma atmosfera calma, pacífica, e sugere até mesmo que pode se desenvolver como um melodrama sobre um amor interrompido. É essa a sacada que torna a obra de Fleischer tão grandiosa, a noção de que o terror não existe apenas no gênero e o mal não vem apenas de onde se espera. O terror pode existir em qualquer cenário e o mal, em qualquer contexto, pelo simples fato de que sua origem não se dá apenas em contextos sociais, políticos ou culturais, e depende mera e simplesmente da existência humana.

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