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The Nipple Whisperer

The Nipple Whisperer

A magia por trás dos bastidores

Michel Gutwilen - 19 de março de 2021

O curta-metragem The Nipple Whisperer opta por ir revelando aos poucos (e jamais por inteiro) as informações essenciais ao seu entendimento. Trata-se de uma escolha que preserva, durante sua duração, uma atmosfera de misticismo e estranheza, deixando o espectador um tanto quanto perdido no sentido de um entendimento lógico, mas, ao mesmo, imerso naquele universo misterioso. Ao fim, não haverá respostas que encerram a questão, mas um espaço para livres interpretações e entendimentos sobre o que tudo aquilo se tratou. O texto em questão trata de explorar uma dessas visões que o filme pode oferecer. 

Na trama, acompanha-se um homem, Sandy (Denis Lavant), que é convencido a trabalhar de novo em uma função que ele havia abandonado. A essa altura, não se sabe muita coisa, somente que ele tem o apelido de “mágico”. Posteriormente, descobre-se que sua profissão envolve alguma função em um estúdio de filmagem, onde se está gravando um comercial de sabão. Lá dentro, ele se dirige ao camarim da atriz principal e senta de frente para ela, que abre sua camisa para Sandy. Em seguida, o mágico começa a realizar uma espécie de ritual, envolvendo gesticulações com a mão e a boca, em direção aos seios daquela mulher, até ficar com a cabeça encostada em seu busto. Conforme aquilo acontece, vê-se a atriz reagindo fisicamente ao que está acontecendo, se contorcendo de dor. Quando acaba, a atriz vai gravar o comercial, onde tudo parece feliz, bolhas voam para todo lado e ela tem que fingir um sorriso enquanto canta, apenas para chorar novamente quando se encerra a tomada. Ao fim, em uma limousine, Sandy tem uma conversa com uma mulher de seu passado e se revela que ele realiza o mesmo ritual nela, até que, aparentemente, a atriz passou por algum acontecimento que a deixou sem os seios.

Dada a explicação do que acontece em The Nipple Whisperer, duas possíveis tangentes de caminhos parecem surgir como prováveis. A primeira delas, e a mais convincente, é enxergar o curta-metragem como uma fábula sobre o funcionamento dos bastidores do Cinema. Afinal, existe uma clara dicotomia entre o sofrimento que acontece no camarim e a posterior farsa das aparências durante as gravações do comercial. Por trás de todo sorriso, há muitas cicatrizes. Presume-se que se quer falar, de maneira fantasiosa e literal, sobre os sacrifícios corporais que tantas atrizes precisam realizar para se encaixarem nos padrões de beleza almejados pela indústria. Aqui, porém, isso não é alcançado a partir de incontáveis horas de academia, dietas e procedimentos estéticos, mas por um mágico que faz alguma coisa em seu corpo. 

Portanto, quando se revela no final do filme que a veterana atriz não possui seios, pode-se entender esse gesto como uma metáfora das marcas traumáticas que a cruel indústria do Cinema deixou nela, assim como tantas atrizes sofrerão futuramente pelos procedimentos que são obrigadas a realizar hoje. Neste sentido de ser uma fábula de bastidores, parece pesar em favor dessa interpretação a escolha de Denis Lavant como protagonista, em um sentido metatextual, justamente por ele ter protagonizado Holy Motors, onde ele faz um homem misterioso e a temática envolve os sacrifícios do ator como essa peça chave dos motores da indústria cinematográfica, além da limousine sendo outra possível homenagem ao filme de Leos Carax.  

Por outro lado, parece haver brecha suficiente no filme dirigido por Jan Van Dyck para uma outra interpretação, completamente diferente, envolvendo algum tipo de mensagem sobre câncer de mama, principalmente pelo plano final que mostra a mulher sem seios  — além disso, algumas entrevistas dos envolvidos no projeto corroboram essa visão: 1) a atriz Wendy Dresner fala que o filme contém uma mensagem importante para homens e mulheres; 2) Van Dyck, ao falar da temática, diz que ela envolve a “doença e como ela muda nosso corpo e a autoestima”. Contudo, ainda que essa tenha sido as intenções do realizador com o projeto, não sei se é possível enxergar na obra elementos suficientes para fazer tal ligação. Como dito inicialmente, The Nipple Whisperer não parece tão interessado em ceder todas as respostas, o que não há nenhum problema a priori. Contudo, se sua intenção era de fato priorizar esse tema socialmente sensível, o proposital desenrolar nebuloso da narrativa pode tê-lo diluído no meio de seus próprios mistérios, de modo que a situação sequer tenha chegado aos seus destinatários do jeito que se imagina. 

Fora este debate acerca das possíveis interpretações que The Nipple Whisperer pode provocar, não há muito o que se destacar em termos de mise-en-scène, com escolhas operantes e que muito confiam na atuação do sempre bom Denis Lavant para gerar um desconforto a partir de sua presença. Talvez o que mais chame atenção seja a sequência-chave do filme, que é o momento em que há o “encantamento dos seios”. Nesta cena, a decupagem foge da frontalidade, sem exibir os seios da mulher, posicionando a câmera de lado ao acontecimento, onde o véu da roupa permite apenas a visão parcial do que acontece. Essa escolha impede que se entenda o que de fato está acontecendo no corpo daquela mulher conforme Sandy faz seu ritual, o que certamente ajuda a sustentar o clima de mistério que se quer evocar. No fim, talvez a grande questão seja essa: jamais revelar a magia por trás dos bastidores do Cinema.


Este texto faz parte da nossa cobertura para a edição de 2021 do SXSW.
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