Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

Um Limite Entre Nós

Um Limite Entre Nós

Matheus Fiore - 23 de fevereiro de 2017

Adaptado da peça homônima, Fences (inexplicavelmente traduzido para Um Limite Entre Nós), acompanha o casal Troy Maxson (Denzel Washington, que também dirige o filme) e Rose Lee Maxson (Viola Davis), e explora os relacionamentos entre eles, seus filhos e suas perspectivas e aspirações na vida, fazendo dos conflitos do dia-a-dia de seus personagens uma ferramenta para traçar uma poética análise sobre legado, culpa, rancor e perdão.

Troy é um catador de lixo que, por ter perdido a chance de ser um grande jogador de beisebol no passado, reflete suas inseguranças e medos na relação com seus filhos Cory e Lyons, que vivem buscando sua aprovação. É interessante notar o contraste entre Rose Lee e Troy: enquanto o catador de lixo, na intenção de manter sua família unida, acaba afastando todos, sua esposa exalta a necessidade de haver uma cerca para a casa, materializando sua vontade de manter a família unida e protegida.

A direção de Washington é inteligente ao aproveitar todos os espaços e ângulos da casa onde o filme se passa, suavizando o peso de uma narrativa que se baseia em pouquíssimos cenários. O controle espacial de Denzel sobre a mise-en-scene de Um Limite Entre Nós é um espetáculo cinematográfico. Usando como exemplo a construção da relação do casal, em todas as cenas é perceptível que Rose está sempre próxima da casa e, geralmente, distante das portas, enquanto os outros personagens estão mais próximos dos extremos do terreno, sendo Troy geralmente o que está mais distante da casa, mostrando que ela é a base que mantém a união da família e ele está sempre próximo de abandona-la. 

Por ter tido seus fracassos e perdas, como sua carreira e sua incapacidade de ajudar seu irmão Gabe, o protagonista não deixa seus filhos arriscarem seus próprios futuros, e constantemente vemos a expressão de medo quando estes comentam sobre suas ambições, refletindo os traumas de suas derrotas. Sua rigidez acaba refletindo no relacionamento com sua esposa, Rose, que ocasionalmente se desentende com o protagonista e rende alguns dos mais belos planos do filme, como por exemplo quanto Troy é filmado por trás por uma câmera que se movimenta verticalmente, que além de manifestar a perda de poder do personagem, destaca o desgaste de seu relacionamento com sua esposa através do encaixe de galhos secos no enquadramento. Igualmente belo é o momento em que o casal se desentende e Rose se agarra nas cercas dos fundos casa, deixando uma rosa cair para o lado de fora, simbolizando o amor que se desgasta e aos poucos deixa o lar dos Maxson.

Sendo uma adaptação de uma peça de teatro, a obra encontra problemas em sua estrutura. Na primeira metade da projeção, não há respiro entre as cenas, que por se passarem inteiramente na casa e no quintal da família Maxson, criam um senso de continuidade extremo que prejudica as passagens de tempo ocasionalmente impostas pela narrativa. Há cortes que ligam cenas separadas por horas, mas não há nenhuma sinalização visual desta passagem de tempo, apenas é explicitado pelos diálogos, algo que é pouco funcional em uma obra que deveria calcar-se na imagem, não nos textos.

Na segunda parte do filme, porém, há um grande salto de qualidade na linguagem. Tanto no uso de novos cenários quanto pelo desenvolvimento de uma estética mais cinematográfica, utilizando mais imagens para retratar a passagem de tempo e o esfriamento dos relacionamentos de alguns personagens. É curioso observar a inserção de uma paleta mais azulada nas cenas externas e uma presença mais intensa de sombras nas cenas dentro do lar dos Maxson, trazendo o esfriamento do relacionamento da família e o crescimento de um tom soturno que paira sobre a casa.

Nada disso funcionaria se as atuações não acompanhassem a construção narrativa, que é bem guiada pela direção de Washington. E o elenco não poderia estar melhor, Russell Hornsby e Jovan Adepo constroem com muita dedicação as figuras dos filhos que buscam a aceitação e o amor de seu pai, enquanto este traz uma das grandes atuações da carreira de Denzel Washington, capaz de demonstrar toda sua mágoa e medo em suas falas pausadas e olhar intenso. O grande destaque, porém, fica com a dona do filme, Viola Davis, que mais uma vez supera todas as expectativas e proporciona uma das grandes atuações do ano, como a mãe e esposa que está disposta a se destruir física e emocionalmente para manter sua família unida, escolhas bem representadas pelo olhar fixo ora protetor, ora melancólico e diálogos carregados de sentimentos reprimidos, ocultos sob a figura da dona de casa perfeita.

Um Limite Entre Nós é um filme extremamente emotivo, mas que encontra dificuldades em adaptar o teatro para o cinema. Pequenos tropeços como a discrepância entre a primeira e a segunda metade e a narrativa de tom constante tiram um pouco do brilho do que poderia ser um dos grandes filmes do ano. Mesmo assim, suas atuações e a direção de Washington, que aproveitam cada milímetro de seus cenários, dão um dinamismo surpreendente e entregam um filme que funciona por sua simplicidade e sinceridade. 

Topo ▲