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Variações de Casanova

Variações de Casanova

Gustavo Pereira - 12 de abril de 2017

John Malkovich pode ser considerado um dos atores ocidentais mais alheios à reação do público sobre seus trabalhos. Ele não parece realmente interessado em fazer nada que não seja desafiador. Capaz de ser coadjuvante em um filme que leva seu nome (o excelente Quero Ser John Malkovich de Spike Jonze), o americano chegou à idade sexagenária livre de qualquer amarra. Variações de Casanova, do austríaco Michael Sturminger, segue a mesma linha: um projeto que poderia ser tradicional, mas prefere aproveitar todas as oportunidades para ser incomum.

A ideia de combinar óperas de Mozart – As Bodas de FígaroDon GiovanniAssim Fazem Todas, as três com libreto de Lorenzo da Ponte – à biografia de Giacomo Casanova, bon-vivant italiano notório pelas conquistas amorosas, já atrai a curiosidade de qualquer um com o mínimo conhecimento sobre as duas figuras. O próprio Mozart tinha sua queda pela frivolidade e a luxúria, um Dionísio da música clássica. As obras escolhidas por Sturminger tratam de desejo, amor e traição, sendo fundamentais para a compreensão plena da mensagem em tela, que muitas vezes é intencionalmente conflituosa.

Já no fim da vida, um Casanova errático está disposto a matar um médico que lhe obrigue a fazer uma sangria

Na Música, o termo “variação” significa que um tema sofreu alterações durante uma sequência de repetições. Variações de Casanova busca apresentar o mesmo Giacomo sob diferentes perspectivas. Aqui, Malkovich reedita seu papel de Barba Negra na ignorada – e nem tão boa assim, pra ser honesto – Crossbones. Uma figura icônica no período de decadência, muito mais próxima da morte do que do auge. Para compreendê-la na plenitude, é preciso dar ouvido às constantes variações do tema.

Um conquistador que perdeu a libido, claramente desconfortável na presença das mulheres que lembram sua decadência física

Com uma bela montagem, Variações de Casanova mistura uma peça de teatro interpretada pelo elenco do filme (a metalinguagem parece estar de volta à moda) com uma narrativa convencional de filme histórico. É possível que a obra esteja reunindo “ficção” e “realidade”, mas não se pode descartar a possibilidade de que a parte “real” também seja ficcional – uma adaptação para o cinema da peça de teatro.

Confuso? Não fique. Na tela, faz sentido.

Malkovich, interpretando a si próprio, nos bastidores da peça em que interpreta Casanova. Ufa!

Mozart é o símbolo de um período da História da Música marcado por equilíbrio e simetria nas composições. Consciente disso, Variações de Casanova é filmado inteiramente com câmeras na mão. Em alguns momentos propositalmente fora de foco. Esse contraste que beira o grosseiro reforça a ideia de que a beleza aparente de Casanova – e da obra de Mozart – está revestindo um interior caótico e, sobretudo, podre. Elisa, personagem vivida por Veronica Ferres, busca nas memórias de Casanova a verdade dele sobre os fatos que construíram sua reputação lendária. E não lhe passa a mão na cabeça, mas condena atos abomináveis. “Um coração feito de corações partidos”.

O jovem Casanova da peça é interpretado por Florian Boesch. Em diversas oportunidades, divide o palco com Malkovich, mostrando que Giacomo vive preso ao passado que considera glorioso

Mesmo com as cenas de ópera tão mal dubladas (os atores praticamente não abrem a boca) e um questionamento sobre a alegada megalomania dos projetos de Malkovich que é insinuada mas nunca desenvolvida, Variações de Casanova vai além do óbvio não apenas no formato, mas na mensagem maior: não é o homem, mas o gênero Casanova que morreu. Conquistadores baratos, que prometem o mundo para levar mulheres para a cama, não têm mais espaço no mundo. Talvez, nunca tenham tido.

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