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Vingadores: Guerra Infinita

Vingadores: Guerra Infinita

Matheus Fiore - 26 de abril de 2018

Há elementos objetivos em um filme que nos permitem identificar quem o protagoniza. O protagonista age, enquanto os demais reagem; ele tem um arco principal que guia a trama, enquanto os outros giram ao seu redor; ele é o responsável pela mudança de rumo que origina a trama do filme, enquanto os outros seguem o arco principal. Observando-se esses aspectos, nomear o protagonista de “Vingadores: Guerra Infinita” é uma tarefa tão simples quanto surpreendente – ele é Thanos. Sim, quase todos os heróis apresentados ao longo de dez anos do Universo Cinemático da Marvel estão lá, mas a trama principal, que faz a roda girar, é a do vilão. “Guerra Infinita” é uma obra sobre sacrifício, e o maior de todos é construído justamente ao longo da trajetória do alienígena do planeta Titã.

Com isso em mente, é um esforço muito gratificante observar que a chegada de Thanos é como um eclipse para o universo Marvel. As piadinhas de sempre, por exemplo, estão lá, e inclusive são um dos pontos baixos do filme, mas, quando Thanos está em cena, uma nuvem sombria e densa paira sobre a obra. Sua presença evoca morbidez e perigo, algo que o roteiro estabelece de forma admirável já no prólogo, quando o vilão é apresentado já estabelecendo suas regras e potencial destrutivo.

É interessante, também, observar como alguns aspectos de “Guerra Infinita” se relacionam ao fato de a obra ser mais sobre Thanos do que sobre os Vingadores. Como anunciado no trailer, o ótimo tema musical da equipe, criado por Alan Silvestri em “Os Vingadores”, de 2012, está de volta. Aqui, porém, ele é usado apenas de forma fragmentada; um acorde aqui e outro ali sugerem ao espectador que a música se apresentará em sua versão completa em algum momento. Graças a Thanos, porém, o reencontro entre tema e público não ocorre. Assim como eclipsa as piadas, Thanos eclipsa os elementos extradiegéticos que caracterizam a saga.

Devido à forma como Thanos é tratado – ele é um verdadeiro buraco-negro que suga algumas das mais marcantes características desse universo -, o filme parece ser dividido em dois. Há o filme de sempre, que acompanha heróis “engraçaralhos” em busca da salvação da Terra (e, aqui, de todo o universo), mas há o filme de Thanos, sobre seu sacrifício – filme esse que, ainda bem, ecoa em todos os personagens de “Guerra Infinita”. Dando coesão a essa divisão, “Guerra Infinita” divide seus (muitos) personagens em quatro ou cinco núcleos paralelos, mantendo entre eles um objetivo em comum: impedir que Thanos consiga as jóias do infinito.

“Guerra Infinita” consegue fazer bom uso do fato de a Marvel estar construindo este universo há dez anos. Quando um personagem se vê diante de uma relação paterna danosa, imediatamente o público se lembrará que esse mesmo personagem viveu algo parecido em uma história recente, o que bastará para que o espectador entenda reações passionais desesperadas e impulsivas. Isso é uma constante no filme, que evoca várias relações criadas nos últimos longas, principalmente entre os personagens de “Guardiões da Galáxia”.

Mas o mais interessante é como a obra trabalha o sacrifício. A primeira aparição do Homem-Aranha, por exemplo, é justamente a mostrada no trailer, quando o personagem vê a invasão alienígena e foge de sua excursão escolar para participar do combate, o que demonstra como o personagem sacrifica sua vida em prol de sua civilização. Em outros momentos, heróis se vêem diante de escolhas que chocam seus interesses pessoais (que incluem proteger quem amam) com a segurança de toda a civilização, o que cria uma constante tensão pelas escolhas que devem fazer.

Esse segundo recurso é aproveitado em excesso, sendo repetido duas ou três vezes ao longo da projeção. Sua repetição, porém, é essencial para construir o muro moral que divide Thanos e os heróis. Se para os heróis o auto-sacrifício é um caminho correto, mas o sacrifício de terceiros é doloroso e, muitas vezes, inconcebível, para Thanos a situação é oposta: o tirano está disposto a sacrificar tudo que tem, exceto a si mesmo, a fim de chegar aos seus objetivos.

“Guerra Infinita”, então, termina com uma pergunta cuja resposta reside no próprio filme: vale a pena sacrificar tudo que se ama em prol do que se almeja? A conquista a qualquer custo se paga? Para os super-heróis, a resposta é não. Para Thanos, há a dúvida. E é aí que entra a importância do protagonismo estar nas mãos do vilão, e não do herói. O personagem, que desconhecíamos e passamos a ter intimidade por meio de flashbacks e de seus diálogos com suas filhas, começa como um monstro “carrancudo” e irredutível, mas que aos poucos ganha complexidade e camadas, muito graças não somente ao roteiro, que sempre traz monólogos que escancaram sua arrogância, mas também à atuação firme e serena de Josh Brolin.

Thanos, portanto, é, sim, um monstro. Um vilão, um tirano e um genocida. Mas há sensibilidade no personagem, a qual deve ser explorada na sequência do filme. Justamente por recortar a monstruosidade do vilão, “Guerra Infinita” é capaz de fortalecer a humanidade dos heróis. O eclipse trazido por Thanos é mais do que um recurso narrativo para brincar com características diegéticas e extradiegéticas da Marvel; é também um teste final.  É uma provação definitiva que botará em cheque a capacidade de sacrifício dos personagens em prol do que acreditam.

Mesmo que, pelo fato de se tratar de um filme Disney/Marvel, a volta da luz do Sol seja inevitável, para o público será uma dolorosa experiência aguardar por isso. Até lá, a sombra do eclipse Thanos estará sempre projetada sobre o universo Marvel.

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