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Z: A Cidade Perdida

Z: A Cidade Perdida

“A man’s reach should exceed his grasp, or what’s heaven for?”

Matheus Fiore - 10 de junho de 2019

Não é de hoje que James Gray demonstra certo fascínio pela tragédia da condição humana. Já em seu primeiro filme, a obra-prima “Fuga Para Odessa”, o cineasta americano representa isso muito bem ao abrir e fechar sua obra com um mesmo plano: o olhar desesperançoso e perdido de Joshua, o protagonista vivido por Tim Roth. Além dessa, outras ideias de “Odessa” viriam a ser desenvolvidas em outros filmes: as relações familiares (na maioria das vezes, paternas), a sensação de que há sempre um grande sistema imbatível que antagoniza os objetivos do protagonista… Diversos conceitos foram trabalhados por Gray ao longo de sua curta, mas especial filmografia.

Essa aparente inevitabilidade de um destino trágico se faz presente em boa parte da filmografia de Gray, e “Os Donos da Noite” e “Caminho Sem Volta” são belos exemplos disso. Entretanto, em “Z: A Cidade Perdida” Gray parece estar disposto a dar um novo passo em seu estudo de personagens. Os protagonistas dos longas do diretor parecem herdar as marcas de seus antecessores, o que culminou, por exemplo, com uma interessante transformação na proposta dramática de “Era Uma Vez em Nova Iorque”, último filme do cineasta antes de “Z”. Na obra de 2013, a protagonista, também ciente de que está diante de um cenário sombrio, busca o escapismo geográfico ao fugir da Polônia para os Estados Unidos.

Esse escapismo geográfico retorna em “Z”. Percy Fawcett (o personagem real aqui é vivido pelo ainda subestimado Charlie Hunnam) é um militar inglês que, angustiado por não ter grandes conquistas e condecorações, entra em um projeto da Real Sociedade Geográfica britânica para ajudar a mapear a selva amazônica. Chegando à selva, Fawcett descobre a lenda de uma esquecida civilização local, e desenvolve um fascínio que o perseguirá pelo resto de sua vida. A narrativa de “Z”, então, gira em torno das incansáveis expedições de Percy em busca da tal civilização, e o longa aproveita isso para fazer um primoroso estudo não só das ambições de seu protagonista, mas de como ele se encaixa (ou desencaixa) no contexto sociopolítico e cultural da época.

Percy é, sem dúvidas, um personagem deslocado no tempo. Um sujeito que constantemente entra em conflito com o status quo – seja quando demonstra incômodo com o trato aos nativos na Fazenda Jacobina, seja quando defende que as civilizações da selva amazônica são intelectual e culturalmente ricas e possuem muito a ensinar aos europeus. Curiosamente, Gray também mostra como o fato de Percy ter um olhar distante de seu tempo não implica a construção de um personagem imune a defeitos: a rejeição à ideia de que mulheres também podem participar de expedições, por exemplo, é um elemento bem inserido para mostrar como o protagonista é, apesar de visionário, prisioneiro de sua era.

James Gray orienta Charlie Hunnam no set de "Z: A Cidade Perdida"

James Gray orienta Charlie Hunnam no set de “Z: A Cidade Perdida”

Mas é na relação de Percy com as descobertas e com o desconhecido que “Z: A Cidade Perdida” alcança seu status de obra-prima. O sucesso da expedição do inglês que busca encontrar a cidade perdida depende da transcendência, da superação dos limites espaciais e temporais da realidade, algo que, até então, não era explorado na filmografia de Gray. Em vez de um protagonista derrotado e sem perspectiva, Gray constrói, em seu Percy Fawcett, um explorador que está sempre desbravando o desconhecido, seja no jogo político da Real Sociedade Geográfica, seja na mata amazônica, seja na relação com novas culturas e sociedades.

Em meio a esse jogo de descobertas e transformações, Gray acerta por utilizar sempre de sutilezas para mostrar a necessária desconstrução pela qual Percy precisa passar para que chegue ao seu destino. Quando o explorador se vê diante de uma tribo indígena que recebe o grupo inglês com flechas, ele só consegue progredir no relacionamento quando tem seu diário perfurado por uma flecha. É como se a imagem nos dissesse que, para continuar sua jornada, aquele homem precisasse abrir mão de seus conhecimentos prévios. O eterno e o que mais estiver além do físico está ao alcance daqueles que estão dispostos a abrir mão de suas convicções, algo que Percy Fawcett abraça a cada minuto de expedição pela floresta.

Gray, porém, expande a relação de Percy com essa busca pelo intangível para vários campos de análise. As ambições de Fawcett vão muito além da primeira camada arqueológica-histórica que muitos poderiam esperar de um drama biográfico. “Z”, na verdade, faz da jornada de Fawcett uma busca pelo autoconhecimento; retrata a aventura de um personagem que, incapaz de encontrar seu lugar no velho mundo, vai até o novo mundo para ter o vislumbre de algo novo e, finalmente, descobrir que seu deslocamento se dá não pela ausência de potência, mas pelo excesso de paixão. Independente de seu personagem histórico, o Percy Fawcett de “Z: A Cidade Perdida” é um sujeito movido pelo tesão pela descoberta, pela ânsia de desbravar o desconhecido.

Nessa relação entre o homem e o desconhecido, “Z: A Cidade Perdida” não poderia ser mais feliz em sua conclusão. Sem nunca abandonar a estética extremamente precisa e controlada de Gray, a obra consegue abandonar quando necessário um realismo formal e nos inserir na mente de seu protagonista para nos mostrar como, para todos os efeitos, independente do resultado daquela aventura, Fawcett foi feliz em sua jornada. Percy chegou aonde ninguém mais conseguiu, e, para nós, espectadores, restou apenas o sentimento de maravilhamento. Dado o mistério acerca do paradeiro do explorador, para nós, assim como para a esposa de Fawcett, a floresta banhada a ouro se tornou apenas uma prisão mental da qual somos incapazes de escapar. Mas, para ele próprio, essa mata dourada se tornou seu lugar de descanso.

“A man’s reach should exceed his grasp, or what’s heaven for?”

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