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Uma análise extremamente rasa poderia dizer que Depois da Escola é um filme moralista anti-drogas. Afinal, dá para entender de onde vem esse pensamento, uma vez que a história do filme é sobre Robert (Ezra Miller), um menino que, acidentalmente, ao estar filmando sua escola para um projeto, grava a morte de duas de suas colegas que passaram mal ao ingerir substâncias ilícitas. De mesmo modo, também me parece um equívoco dizer que o filme de Antonio Campos é sobre sexualidade na adolescência, apesar do jovem protagonista ser viciado em pornografia na internet e esse tema volta recorrentemente ao longo da narrativa. Para longe disso, o interesse do diretor parece residir muito mais na relação dos jovens com o consumo de imagens na era digital e da internet.
Inclusive, isto é algo que fica claro desde os primeiros planos que abrem o longa, que são uma espécie de montagem de vídeos soltos da internet. Um bebê rindo, mulheres brigando na rua, um enforcamento público, um gato tocando piano, soldados feridos e uma mulher se prostituindo. O que essas imagens possuem em comum? Campos trabalha justamente com o conceito de banalização utilizando da montagem. Ainda que seja uma produção de 2008 e isso seja um fenômeno mais agravado hoje em dia, a saturação de imagens da internet e o imediatismo do digital provocaram uma certa perda de sensibilidade ao conteúdo que chega aos nosso cérebro. Em um minuto estamos vendo um animal fofinho e logo em seguida pode aparecer uma pessoa morrendo. É algo que não nos choca mais.
Neste sentido, é quase como se Antonio Campos evocasse imageticamente os pensamentos da teórica Susan Sontag, a qual cito a seguir com algumas adaptações: “Após uma repetida exposição a imagens, o evento também se torna menos real. O choque das atrocidades fotografadas se desgasta com a exposição repetida, assim como a surpresa e o desnorteamento sentidos na primeira vez em que se vê um filme pornográfico se desgastam depois que a pessoa vê mais alguns. O vasto catálogo fotográfico da desgraça e da injustiça em todo o mundo deu a todos certa familiaridade com a atrocidade, levando o horrível a parecer mais comum — levando-o a parecer familiar, distante (“é só uma foto”), inevitável.”
Voltando ao início da narrativa, a escolha do diretor na apresentação de seu protagonista, é genial. O último plano daquela sequência de vídeos na internet é a de um violento filme pornô, com a câmera gravando a tela do computador, e, logo em seguida, há um corte para um plano mais aberto, com o rapaz de costas e completamente dominado pelas sombras, assistindo àquilo. Assim, uma única assunção é possível por meio dos elementos desta mise-en-scène: tanto a transição de um plano do mundo virtual para o mundo real quanto o fato de Robert ser uma sombra em contraste com a tela iluminada já dizem tudo. O mundo real se tornou um expansão do virtual, perdemos nossas identidades e somos suscetíveis às influências do conteúdo que consumimos diariamente e não percebemos. Ou seja, tudo que fica extremamente explícito nos acontecimentos posteriores da trama, já estava presente logo no início.
Ao longo de Depois da Escola, Campos vai utilizando vários planos de filmagens diegéticas, seja por meio de câmeras de celulares, filmadoras, televisões e telas de computador, todas essas em formatos diferentes. Mais do que os acontecimentos em si, interessa ao diretor o modo como o mundo real é transposto para o digital e sobre essa necessidade de capturar o presente. A partir de caráter ruidoso proveniente das imagens em baixa qualidade, evidencia-se até um certo tipo de terror, como na cena principal das mortes, na qual não conseguimos identificar exatamente o que está acontecendo. Em seguida, Robert fica repetindo exaustivamente as gravações do ocorrido para si mesmo, em cenas muito similares com as que assiste pornografia, o que indica um paralelismo com o que foi dito por Sontag. Existe tanto este fascínio com a captura da morte pelo quanto uma consequente banalização pela sua visualização em looping. Outro bom exemplo é quando um dos garotos está falando sobre pornografia enquanto um zoom-in se aproxima da mesa e vai passando pelo rosto dos seus colegas escutando ao relato, desconfortáveis. Menos sobre a ação e mais sobre a reação filmada.
A nível comparativo, o ritmo geral que Campos dita para a narrativa remete muito ao Cinema do Fluxo e o trabalho de outro cineasta, Gus Van Sant (como em seu filme Paranoid Park). É como se em toda a mise-en-scène houvesse uma busca pelo estado de alienação do protagonista jovem. Primeiramente, busca-se enquadramentos muitas vezes desajustados, cortando partes do corpo, como na cena do sexo — quase como se a câmera estivesse com vergonha daquele ato. Outro ponto é o uso planos gerais e extremamente distanciados do protagonista, como se ele estivesse afastado do mundo real. Similarmente, a negação da profundidade de campo em diversas cenas, deixando somente o menino em evidência, consegue este mesmo efeito. Por fim, muitos dos planos são de longa duração, normalmente em travelling ou zoom-ins, que basicamente funcionam como um fluxo de uma consciência em transe, mas também podem representar este sentimento de estar se sentido registrado o tempo todo.
No fim, o filme se encerra com dois momentos muito fundamentais para entendermos sobre o que ele se trata. A revisita à cena do acidente, só que, desta vez, não pelo ponto de vista da câmera diegética que vimos por toda a história, mas da extra-diegética, bem mais próxima do acontecimento e sob um um outro ângulo. Tal escolha não só é uma ruptura chocante pelo conteúdo à nível de roteiro, que ganha novos contornos, mas por ser esta ruptura entre o filmado e o real, uma indicação de que nem sempre o imediatismo captado pela tecnologia corresponde ao facual. Logo após Robert revisitar este momento em sua mente, no qual o vemos de costas por meio de uma câmera extra-diegética, é alternado para uma câmera digital diegética. Sentindo sua presença, ele olha pra trás, mas não há nada. Trata-se do fantasma do digital, a paranoia de estar sendo registrado. Em uma metalinguagem bastante explícita, é quase como se Campos falasse que o espectador acompanhou a confissão feita apenas em sua mente. Esta aí a grande paradoxo do excesso de imagens na era contemporânea: tudo é registrado, mas nem tudo é equivalente ao mundo real.