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John Wick 4: Baba Yaga

John Wick 4: Baba Yaga

Cinema de ação como dança

Matheus Fiore - 23 de março de 2023

Como quase tudo no cinema, o uso exagerado de fundo verde no blockbuster contemporâneo não é uma técnica necessariamente ruim, mas se torna um recurso que, mal aproveitado em uma medida extrema, torna o filme artificial, falso, desinteressante. É muito curioso, por exemplo, assistir a um Homem-Aranha qualquer e observar como os personagens quase nunca interagem com objetos do cenário, que nada que está ali, existe. John Wick 4: Baba Yaga, chega quase como um contraponto ao que é feito hoje pela maioria dos blockbusters. Os objetos do cenário não são só “interativos”, são essenciais para o progresso de cada sequência.

O que se faz em John Wick 4, na verdade, é uma relação tão íntima de personagens, objetos e cenários, que isso é refletido diretamente na forma como o filme é enquadrado, iluminado, encenado etc. É uma necessidade do filme. John só conseguirá derrotar determinado inimigo se atravessar uma vidraça e usar um caco de vidro para atacá-lo, por exemplo. Durante toda a série, a mise-en-scène sempre foi tratada com esmero por Chad Stahelski, mas, no quarto capítulo, há a sensação de que personagens, objetos e cenários não apenas interagem, mas se fundem em um único elemento.

Há um esforço muito admirável para que as cenas de ação se assemelhem, muitas vezes, a uma pintura em movimento, criando uma harmonia que leva as batalhas para um patamar de dança. Ver John empilhando corpos não é mais filmado apenas como uma sequência de ação, mas como um musical, com tudo milimetricamente orquestrado e ensaiado para que um soco, uma facada ou um tiro sejam tão harmônicos e belos quanto foram os duelos de sabre de luz da trilogia prequel de Star Wars, de George Lucas.

Mas quando tudo isso já parecia ser suficiente para John Wick ser um filme do calibre de seus ótimos antecessores, Stahelski ainda encontra uma maneira de trazer mais ideias que tornam a obra ainda mais interessante. Se a primeira hora é feita com o carinho de um pintor, a segunda traz a gamificação para a narrativa, com planos típicos de gameplay de um bom jogo de tiro, mas que também integram à trama mecânicas essenciais dos games. Não só as hordas de inimigos e os chefões, mas até mesmo os upgrades e o recomeço de todo um processo ao perder uma fase. Essa gamificação aos poucos afasta John Wick 4 de um quadro e o aproxima de um game ao ponto que o digital toma conta do filme.

Dessa vez, porém, abraçar o digital não chega a tirar o mérito da experiência. É muito mais um interesse de Stahelski por experimentar novas ideias em um universo que, a partir de uma trama tão simplória, consegue ir tão longe artisticamente. Para além de encerrar um arco de uma das melhores (se não a melhor) séries de ação do século, John Wick 4 é uma prova de como o personagem, o universo e a mise-en-scène que permeia tudo sempre encontram possibilidades de se reinventar e se renovar.

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