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Monika e o Desejo (1953)

Monika e o Desejo (1953)

Matheus Fiore - 10 de maio de 2017

Você pode contar diretores com o talento de Ingmar Bergman em uma só mão. E sobrarão dedos. Pouco antes de Morangos SilvestresO Sétimo Selo e da Trilogia do Silêncio, o sueco já se destacava dos “mortais” em 1953, com apenas 35 anos, ao conceber Monika e o Desejo. Em uma análise superficial, esta obra pode parecer apenas um retrato dos percalços da transição da juventude para a vida adulta, mas em uma camada mais profunda, vemos que há um ensaio sobre a civilização e a repressão da sexualidade e da liberdade em prol da manutenção de um modelo ultrapassado de sociedade.

A história acompanha Monika (Harriet Andersson), uma jovem espontânea e extrovertida, que por sua beleza e simpatia é assediada por pessoas no dia-a-dia e não tem seu espaço respeitado em casa. Monika se apaixona por Harry (Lars Ekborg), rapaz trabalhador que vê no novo relacionamento o escapismo de sua cansativa rotina. Juntos, decidem fugir da melancólica e sofrida vida que levam na cidade, viajando de barco para uma praia para passar o verão. A volta do casal para a “terra firme” é inevitável, mas junto ao regresso, vem a tristeza e o medo do futuro.

Quando o casal chega à praia, Bergman explora as nuances que diferem os dois sexos. Na imagem abaixo vemos, à esquerda Harry apalpando o seio de sua namorada, demonstrando a influência do libido no afeto masculino em uma sociedade falocêntrica, onde a mulher é vista como um objeto complementar ao homem. Já à direita, o movimento com a mão de Monika para levar a mão de seu companheiro à sua bochecha diz tudo sobre a protagonista. Enquanto sua beleza é objetificada, a moça busca apenas afeto.

O sonho do casal, porém, dura pouco. Inevitavelmente, Monika engravida de Harry, e o casal deve regressar à cidade para criar a criança. A diferença do comportamento dos personagens no verão e posteriormente, quando já estão em suas rotinas normais, é gritante. Veja abaixo, por exemplo, que na primeira imagem, Monika e Harry estão abraçados, sorridentes, enquanto na segunda, o marido ajeita a gola de sua camisa, um claro sinal de desconforto, enquanto a esposa se mexe para cobrir a barriga com as mãos, um claro sinal de sua insatisfação (e talvez até vergonha) com a gravidez.

Já com o bebê em mãos, o casal encontra dificuldades em se readaptar à velha rotina: Harry, por nunca ter sentido agrado em seu emprego anterior, enquanto Monika, além do desinteresse pela maternidade, nunca teve preparo emocional e psicológico para criar um filho. Ilustrando a situação de desconforto dos personagens, Bergman usa planos com os atores posicionados atrás das barras de ferro da cama, como se fossem  barras de uma cela, retratando o aprisionamento psíquico dos personagens.

Há uma forte melancolia em Monika e o Desejo, trazida geralmente pela intensidade pela trilha. Mas a aura deprimida do filme se dá, principalmente, aos planos que destacam a solidez do concreto na cidade. Um mundo duro, imutável, rígido, diferente do ambiente encontrado por Monika e Harry quando estes viajam de barco, cercados pelo mar (água, forma líquida, representando tanto a vida quanto um momento em que podem traçar seus próprios caminhos). Nos quadros abaixo, perceba a rigidez trazida pelo primeiro frame e a sensação de liberdade imposta pelo plano aberto que retrata o oceano.

Já destruídos psicologicamente pela infeliz vida que levam, Harry e Monika se distanciam cada vez mais. A moça, então, quando distante de seu esposo, busca em outros braços o escapismo de sua realidade. Os planos que focam em seu rosto e trazem um lento zoom são auxiliados pela iluminação que, aos poucos, desaparece, destacando apenas o rosto da protagonista. Sobra apenas a fria face de Harriet Andersson, imóvel e inexpressiva, com seus olhos destacados revelando o vazio que engoliu sua essência, ao passo que também desafia o espectador que ao filme assiste a julgar sua eterna busca por liberdade.

No final, a melancolia já tomou conta das almas do pobre casal. Na imagem abaixo, o mesmo truque utilizado com o rosto de Monika se repete com seu esposo. O falso sorriso é desconstruído pela redução da luz, que evidencia como se sente o rapaz por dentro. Aqui, a escuridão representa o porão de sua alma, o inconsciente do ser. A montagem utiliza o fade-out/fade-in para conduzir o rosto sem vida do personagem até sua mais profunda memória, sua viagem à praia com. Sozinho e desamparado, resta a Harry vestir a máscara da felicidade para o mundo e interiorizar sua dor. Como alento, restam as memórias do período mais feliz de sua vida, o verão com Monika.

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