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(nostalgia) (1971)

(nostalgia) (1971)

Do objeto real à frustração da idealização. Da idealização platônica à frustração do real.

Michel Gutwilen - 31 de agosto de 2020

Para os mais desatentos, (nostalgia), de Hollis Frampton, pode ser repetitivo ao longo de seus quase 40 minutos. Afinal, o filme segue o mesmo padrão: em um plano fixo, uma foto tirada pelo diretor é exposta em cima de uma superfície, uma narração em primeira pessoa fala sobre as circunstâncias nas quais ela foi tirada e, em seguida, um fogo consome o retrato. Após isso, o ciclo “se repete” com uma nova foto.

Em um primeiro momento, o que chama mais atenção em (nostalgia) é a destruição das fotografias, algo que Frampton se mostra extremamente interessado, uma vez que o corte para a próxima sequência só se dá após vermos o objeto sólido se transformar completamente em cinzas. Logo, o sentimento que carrega o título do média-metragem, a nostalgia, é desenvolvido até chegar em um paradoxo. Afinal, estamos vendo aquela foto, uma arte perfeita, nos acostumamos e criamos afeição por ela conforme a narração dá mais detalhes do seu processo de feitura e depois somos obrigados a ver sua extinção. Existe aí um senso nostálgico de imediato, uma saudades daquilo que estava diante de nossos olhos e foi tirado sem nossa autorização. Porém, ao mesmo tempo, o próprio ato de registrar sua destruição em um filme perpetua a existência daquela foto para a posterioridade. Neste sentido, dar vida e promover a morte se tornam atos indissociáveis, visto que, caso alguém queira rever as fotos novamente, a pessoa necessariamente terá de acompanhar sua posterior transformação em cinzas.

De mesmo modo, (nostalgia) se prova um exercício sobre a própria duração da vida e sua efemeridade. Aquela foto existe apenas do momento em que o plano começa até a passagem para o próximo. Quando entendemos a dinâmica do experimento de Frampton após a repetição de algumas sequências, cria-se uma noção de conformismo. Uma nova foto surge e sabemos de que daqui a alguns segundos ela desaparecerá, não há nada que possamos fazer, a não ser aproveitar aquele breve momento através de nossas retinas e da memória. Aliás, é este o conceito-chave dessa obra estruturalista. A extinção do objeto físico e a impossibilidade de olhá-lo novamente leva a um trabalho cognitivo de lembrança, pois agora o que resta é apenas o resquício de uma imagem — que nunca irá alcançar a verdadeira, será apenas uma ideia vaga dela — na mente.

Contudo, quando (nostalgia) chega na metade de sua duração, Hollis Frampton nos surpreende. Quando uma fotografia de dois vasos sanitários está sendo exibida, a narração fala sobre a imagem de um macarrão. Este, que irá aparecer em uma sequência posterior. Então, o que acontece é que agora a imagem e o som deixam de estar em sintonia, o que nos leva a um novo mar de possibilidades. Seguindo essa lógica, se torna importante descobrir um fato extra-fílmico: a narração em primeira pessoa não é realizada por Frampton, mas por seu amigo e também cineasta estruturalista, Michael Snow, que se passa por ele. Ora, a partir de então, a desconfiança se torna também uma peça chave desta quebra-cabeça e passa a ter um efeito retroativo em relação as fotos anteriores, aparentemente livres de suspeitas. Todos aqueles discursos foram reais? O que eu, de fato, estou assimilando: uma nostalgia construída através dos artifícios do cinema ou um sentimento real e espontâneo? De quem é aquela nostalgia? De Frampton, de Snow, ou do espectador?

Por outro lado, essas duas informações acima podem não ter uma função de revolucionar tudo aquilo que já foi apresentado, mas de potencializar o discurso prévio. Voltando à ideia de exercício cognitivo de atenção e reforço da memória, torna-se ainda mais desafiante guardar as informações visuais exibidas ao mesmo tempo que nosso cérebro recebe descrições visuais que nos levam a imaginar um outro objeto. Isso nos leva a outro paradoxo: antes mesmo de termos a imagem real da fotografia, criamos uma ideia platônica daquela foto — isso enquanto nosso cérebro ainda tenta assimilar uma imagem que não têm mais nada a ver sendo mostrada. Um exercício imaginativo que agora levará a uma frustração intelectual. O macarrão que idealizamos sempre será diferente do macarrão apresentado logo em seguida. 

Eis aqui a genialidade de Frampton: em uma inversão, a nostalgia deixa de ser do objeto físico (a foto) que se transforma em memória, mas, agora, da imaginação platônica que se frustra em objeto real. Ou seja, em (nostalgia), o diretor trabalha de diferentes modos a expressão deste sentimento, evidenciando sua maleabilidade e como uma narrativa construída através do audiovisual — no sentido mais literal possível, som e imagem — pode influenciar nele. Não à toa, a frase que encerra o filme é “você vê o que eu vejo?”. No fim, todos estão diante do fascinante e ao mesmo tempo horrendo fogo que consome a foto. Mas cada um irá criar o seu próprio significado para tal experiência. 

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