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O Homem Invisível

O Homem Invisível

Dormindo com o inimigo

Wallace Andrioli - 26 de fevereiro de 2020

Na maior parte do tempo, “O Homem Invisível” evita a ficção-científica, gênero no qual sua história nasceu. Leigh Whannell, roteirista e diretor (mais conhecido por ter escrito e protagonizado o primeiro “Jogos Mortais”), constrói essa versão do personagem de H. G. Wells (apresentado no livro homônimo de 1897, já levado ao cinema algumas vezes) como um drama sobre relacionamento abusivo que, por cerca de metade de sua duração, se delicia com códigos de outro gênero, o horror, mais especificamente do subgênero filme de assombração. A trama, afinal, segue uma mulher (Elisabeth Moss) que, após escapar do marido violento e controlador (Oliver Jackson-Cohen, da minissérie “A Maldição da Residência Hill”), recebe a notícia de que ele cometeu suicídio, para em seguida começar a ser perseguida aparentemente por seu fantasma.

Essa primeira parte, aliás, contém o melhor de “O Homem Invisível”. Whannell cria composições visuais em plano aberto que exploram muito bem a gradual introdução do personagem fantasmagórico na diegese. Uma vista geral da cozinha na qual Adrian (Jackson-Cohen) intervém aumentando a chama do fogão até causar um pequeno incêndio. A exploração de outros espaços da casa em que Cecilia (Moss) vive com o amigo James (Aldis Hodge) e a filha adolescente desse, Sydney (Storm Reid), como cantos escuros de um quarto e um sótão, que evocam momentos inspirados do horror.

Ao enfim revelar a natureza do vilão, “O Homem Invisível” passa a depender excessivamente de uma estrutura narrativa de gato e rato que tolhe bastante sua criatividade. Não há real aproximação da ficção-científica e de eventuais aberturas propiciadas pelo gênero, apesar da posição profissional de Adrian e seu comportamento (gênio da ciência, muito bem-sucedido, mas psicopata) remeterem a um arquétipo recorrente nesse tipo de cinema (o do cientista maluco). Visualmente, o filme também perde qualquer força mostrada até ali, seguindo por caminhos cada vez mais genéricos.

É como se “O Homem Invisível” se apropriasse só dos elementos mais frágeis de “O Homem Sem Sombra” (2000), de Paul Verhoeven, outra adaptação recente mais destacada do livro de Wells: as perseguições pouco inspiradas do clímax e as repetidas situações em que a heroína usa alguma substância (líquida ou gasosa) para revelar a presença do homem invisível, por exemplo. Ficam de fora os prazeres da descoberta científica, geradora das memoráveis sequências de desaparição de “O Homem Sem Sombra”, e, principalmente, a característica crueldade de Verhoeven ao filmar o empoderamento de um sujeito inescrupuloso e vaidoso.

Como o diretor e roteirista de “O Homem Invisível” não tem o menor interesse em seu vilão, lhe resta a história da mulher vítima de um homem monstruoso, tratado como tal desde a primeira cena. O filme é até eficaz, vez ou outra, na construção da tensão desesperada experimentada por Cecilia (a cena do restaurante e toda a sequência do hospital psiquiátrico são especialmente boas), mas geralmente é engolido por sua criatividade limitada e ausência de nuances. Na verdade, era possível fazer algo melhor mesmo com um antagonista unidimensional em mãos, gerar algum tipo de fruição prazerosa de uma presença essencialmente maléfica. O resultado obtido por Whannell no final parece um “Dormindo com o Inimigo” (1991) com toques (um tanto envergonhados) de fantasia.

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