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O Passageiro

O Passageiro

Matheus Fiore - 11 de março de 2018

Saber fazer o simples há muito deixou de ser normal e se tornou motivo de destaque quando se trata de Hollywood. Os blockbusters, em sua maioria, ou abraçam uma simplicidade excessiva que os torna medíocres, ou são megalomaníacos ao ponto de serem elevados ao pretensioso. Jaume Collet-Serra, diretor espanhol que trabalhou com Liam Neeson em “Desconhecido”, de 2011, e “Sem Escalas”, de 2014, prova em sua terceira parceria com o ator irlandês que é, hoje, um dos cineastas mais capacitados para fazer esse “feijão com arroz” e proporcionar uma experiência artística direta, agradável e simples. “O Passageiro” não se destaca pela sofisticação de seu roteiro, mas pela capacidade de todos os outros elementos fílmicos da narrativa explorarem ao máximo a premissa básica.

No cenário da grave crise econômica que levou milhões à falência na última década, Neeson vive Michael MacCauley, um ex-policial que trabalhava como corretor mas acaba de ser demitido. No trem para casa, Michael recebe uma proposta: ajudar uma misteriosa mulher (Vera Farmiga) a localizar um passageiro específico em troca de cem mil dólares – e a pessoa localizada será muito prejudicada, o que torna a escolha de Neeson um dilema moral. “O Passageiro”, então, segue o trabalho de detetive de MacCauley, que precisa completar a missão antes que o trem chegue à sua estação final.

É curioso como, mesmo sabendo que Michael MacCauley fez uma escolha errada – fazer algo que prejudicará muito um desconhecido em troca de dinheiro -, o público ainda assim sente empatia pelo personagem. Isso se deve ao excelente trabalho de introdução do protagonista: “O Passageiro” nos apresenta à sua relação carinhosa com a família e à sua desgastante rotina – que culmina com sua conturbada demissão apenas cinco anos antes de sua aposentadoria. Collet-Serra extrai o máximo desses momentos, utilizando desde câmeras que começam filmando o personagem frontalmente até subirem e tornarem-se um plongée – isto é, de cima para baixo, sugerindo a pequenez de Michael -, até a redução da profundidade de campo, para desfocar o fundo do plano a fim de sugerir o isolamento e a sensação de perda que domina MacCauley.

Quando o filme passa a girar em torno da missão de Michael, o drama do homem de 60 anos desempregado cede lugar à uma bem-vinda mistura de suspense com ação – e Collet-Serra dosa os dois gêneros na medida certa. Quando trabalha o suspense, “O Passageiro” utiliza sempre as tentativas de fracassadas do protagonista de escapar para imprimir tensão, encurralando o personagem e trabalhando não o mistério da identidade da pessoa que Michael deve localizar, mas sim quais as intenções de quem está por trás do plano, o que torna o filme uma jornada dupla: MacCauley deve localizar a pessoa e, paralelamente, descobrir o que acontecerá quando ele a encontrar. As perguntas de Michael sempre originam novos questionamentos, o que torna a trama cada vez mais intensa e deixa o espectador, assim como o protagonista, cada vez mais aflito.

Na construção espacial do longa, Collet-Serra se mostra um diretor inventivo. Por se tratar de uma trama desenvolvida quase que exclusivamente dentro dos vagões do trem, “O Passageiro” poderia facilmente tornar-se, visualmente, uma obra limitada e cansativa. O espanhol contorna as limitações espaciais de forma exemplar, alternando entre os pontos de vista dos passageiros, trabalhando com close-ups e planos detalhe para familiarizar mais o público com as pessoas ali presentes – o que fortalece o suspense por nos permitir sempre contemplar as reações dos passageiros diante dos estranhos eventos que ocorrem nos vagões.

Já quando trabalha a ação, “O Passageiro” é ainda mais impressionante, utilizando planos longos e que filmam a ação até mesmo de fora dos vagões, utilizando as janelas para permitir que o espectador compreenda o que acontece. Nos combates, a escolha de planos longos torna as sequências sufocantes e realistas – em contrapartida, o surgimento de elementos inusitados, como o uso de uma guitarra como arma, cria uma aura de absurdo que nos lembra que, apesar das brutas cenas de ação, o filme não tem compromisso algum com a seriedade.

Mas muito além das nuances de gênero que Collet-Serra busca, “O Passageiro” é um filme focado na noção de dever de seu protagonista. Sendo um herói próximo de sua aposentadoria, que tem noção de seus limites físicos e emocionais, Michael é um sujeito tão desgastado por suas dificuldades que desacredita em suas próprias habilidades – algo que os vilões que dão ordens pelo telefone constantemente o lembram. 

Ainda mais interessante é como Collet-Serra trabalha as motivações de Michael MacCauley. Uma constante em “O Passageiro”, por exemplo, são planos que focam na aliança de casamento do protagonista logo após ele realizar um ato de enorme esforço físico, o que lembra sempre o espectador de que a trajetória à qual assistimos não é de um homem ganancioso, mas de um sujeito desesperado que busca sempre uma saída que o ajude a cuidar de sua família. Não que isso exima Michael da culpa de fazer uma escolha errada, até porque, “O Passageiro” em momento algum faz julgamento moral das escolhas do personagem, mas é visível que as decisões de MacCauley não são originadas de avareza, mas de desespero.

Assim como seu protagonista, “O Passageiro” é um filme bem sucedido por ser simples sem ser vazio. Michael MacCauley é um sujeito implacável não por ser um agente perfeito como Neeson foi em “Busca Implacável”, mas por deixar seu lado pessoal de lado em prol do que acredita. “O Passageiro” sabe aproveitar o carisma e as motivações de seu herói para ser um exercício de gêneros próspero. É um filme direto pela simplicidade de sua história, empolgante pela qualidade da execução técnica e revigorante por entregar ao espectador um estilo de cinema que, em Hollywood, é cada vez mais raro. É escapismo simples, mas arrojado. Tão longe de ser pretensioso quanto está de ser medíocre.

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