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A teoria por trás do plano de Thanos em ‘Guerra Infinita’

A teoria por trás do plano de Thanos em ‘Guerra Infinita’

Gustavo Pereira - 16 de maio de 2018

Se você ainda não assistiu a “Vingadores: Guerra Infinita”, saber do plano de Thanos é um tremendo spoiler. Salve esse link para mais tarde. Enquanto isso, leia nossa crítica clicando aqui.

Vingadores Guerra Infinita Wakanda

Última defesa contra spoilers: daqui pra frente, siga por sua conta e risco

Três semanas após a estreia, textos e vídeos analisando cada quadro de “Guerra Infinita” seguem surgindo. Alguns viraram memes na internet pela tentativa paupérrima de enquadrar Thanos em um dos lados do binômio político direita/esquerda. Sem querer caminhar por essa “Zona Fantasma“, este artigo propõe uma análise fria do plano do “Titã Louco”, baseada em teorias de Transição Demográfica e conceitos básicos de Probabilidade e Estatística. E como tudo isso é trabalhado dentro do filme, é claro. Afinal, este é sobre isso que falamos aqui.

O plano de Thanos (ALERTA DE SPOILER)

Quando Titan, lua de Saturno e terra natal de Thanos, se encontrava à beira de um colapso por falta de recursos, o antagonista de “Guerra Infinita” propôs uma solução drástica: matar metade da população, sem priorizar ricos ou pobres. Dessa forma, o processo seria “justo” e daria à metade restante a chance de sobreviver e prosperar novamente. Tachado como louco, teve sua sugestão negada. Titan sucumbiu, se tornando nas ruínas onde ocorre o embate de Thanos contra boa parte dos heróis da Marvel, incluindo Homem de Ferro e Doutor Estranho.

Disposto a evitar que o destino de Titan se repetisse, Thanos começou uma jornada de aniquilação em inúmeros planetas. Um deles sendo Zen-Whoberi, onde “adotou” Gamora. A busca pelas Joias do Infinito pretende acelerar o processo, aniquilando metade da vida do Universo “num estalar de dedos”, como a própria Gamora explica a Thor.

Controle populacional: a teoria malthusiana clássica

O britânico Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista e pastor anglicano, é considerado o pai da Demografia. No seu famoso “Ensaio sobre o princípio da população”, elaborou a hoje conhecida “lei malthusiana”, defendendo que o aumento populacional se dá em progressão geométrica, enquanto os alimentos à disposição só conseguem crescer em progressão aritmética.

Thomas Malthus Thanos

Thomas Malthus

Malthus defendia que a queda da taxa de mortalidade, resultante dos avanços da Revolução Industrial, aliada à manutenção da alta taxa de natalidade, criaria uma praga biológica: o equilíbrio do ecossistema seria desfeito, os recursos se esgotariam e a raça humana morreria de fome. A mesma lógica defendida por Thanos em “Guerra Infinita”, diga-se de passagem.

A solução proposta por Malthus é menos radical do que a do titã: em vez de matar, prevenir a vida. O controle populacional malthusiano, muito ligado ao seu lado clérigo, envolvia voto de castidade antes do casamento, mas também sugeria que se casasse mais tarde e que as famílias só tivessem os filhos que pudessem sustentar.

População e renda: os neomalthusianos

O tempo provou que Malthus estava errado. A população nunca cresceu em progressão geométrica. A Revolução Verde aumentou a produção agrícola em dimensões inimagináveis na Inglaterra do século 18. Mas as ideias do britânico não foram esquecidas no século 20. Os neomalthusianos, em lugar de relacionar o aumento populacional à falta de alimentos, defendem uma relação de causa e efeito entre a explosão demográfica e a pobreza.

Os neomalthusianos são convictos de que uma grande população é um empecilho ao desenvolvimento. Segundo eles, quanto mais os pobres tiverem filhos, mais o governo precisa investir em serviços públicos como saúde e educação, desviando recursos necessários para outros setores estratégicos.

Se as políticas de planejamento familiar neomalthusianas são necessárias em qualquer classe social (ter filhos não é apenas uma questão financeira e a decisão deve sempre estar nas mãos dos futuros pais, não do acaso), elas também guardam em si um viés preconceituoso. Como no caso de Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro que tuitou em defesa da esterilização compulsória de pessoas pobres para “combater a miséria e a violência“.

Vingadores Guerra Infinita Thanos Josh Brolin

Thanos não é elitista, mas isso não o impede de cometer um erro grosseiro na análise do cenário

De volta à “Guerra Infinita”, Thanos justifica seu plano com argumentos neomalthusianos (superpopulação gera pobreza), mas o aplica de forma malthusiana clássica (todos devem contribuir para o equilíbrio, não apenas os pobres). Vale mencionar ainda que a Teoria Reformista questiona essa lógica ao inverter as relações de causa e efeito: segundo seus adeptos, não é a superpopulação que gera a pobreza, mas a pobreza que gera a superpopulação. Tratemos disso a seguir.

Um plano aleatório

Thanos quer reduzir a população do Universo à metade para preservar os recursos naturais e evitar a extinção da vida (curiosamente, nunca lhe passou pela cabeça dobrar o tamanho do Universo e preservar todas as vidas). Reveste seu plano com o verniz da justiça adotando a aleatoriedade nas mortes. Mas isso não é justiça. A rigor, Thanos está deixando o sucesso de sua empreitada nas mãos do acaso. Não é um “achismo”, mas uma simples análise de Probabilidade e Estatística.

Probabilidade e Estatística é um campo da Matemática composto por três elementos fundamentais: Espaço Amostral (todos os resultados possíveis), Evento (resultado que se procura dentro do Espaço Amostral) e Resultado (o que realmente acontece após um experimento). O Espaço Amostral de um dado tem seis resultados possíveis; se o Evento desejado for um “5”, a probabilidade é de um resultado em seis possíveis; o Resultado é o número que efetivamente sai quando o dado é lançado.

O plano de Thanos depende da ocorrência de dois eventos sequenciais dependentes entre si, que são eliminar metade da vida do Universo e a miséria da outra metade acabar. O Espaço Amostral começa em quatro resultados possíveis: Thanos eliminar metade da vida do Universo e a miséria acabar; Thanos eliminar metade da vida do Universo e a miséria não acabar; Thanos não eliminar metade da vida do Universo e a miséria acabar; e Thanos não eliminar metade da vida do Universo e a miséria não acabar. Após os eventos de “Guerra Infinita”, o Espaço Amostral se reduz à metade, com apenas os dois primeiros cenários sendo igualmente possíveis.

Mas por que são igualmente possíveis?

Probabilidade Teorética e Probabilidade Empírica

A chance de lançar uma moeda e o resultado ser “cara” é de uma a cada duas, 50%. Esta é a Probabilidade Teorética. Agora, jogue uma moeda para o alto e, caso o resultado seja “coroa”, diga “a probabilidade de jogar uma moeda para o alto e o resultado ser ‘coroa’ é de 100%”. Esta é a Probabilidade Empírica.

A questão sobre a Probabilidade Empírica é que os resultados têm a tendência de se aproximar da Teorética conforme o número de eventos aumenta. Se jogarmos a mesma moeda não uma, mas cinco vezes, e tirarmos duas “caras” e três “coroas”, a Probabilidade Empírica do resultado ser “coroa”, antes de 100%, cai para 60%.

Vingadores Guerra Infinita Thanos Josh Brolin

Às vezes o indivíduo está louco nas Joias do Infinito

Thanos cita nominalmente dois eventos que reforçam a crença em seu plano: Titan, onde a população não foi reduzida à metade e todos acabaram morrendo, e Zen-Whoberi, onde sua “misericórdia” teve resultados positivos. É o “cara ou coroa cósmico”. Por mais que o cenário no planeta de Gamora tenha se repetido nos demais mundos por onde Thanos passou (não temos nenhuma prova disso), ainda estamos falando de Probabilidade Empírica baseada em uma crença subjetiva, como um médico que diz “o paciente tem 50% de chances de sobreviver”, embora seja estatisticamente impossível determinar esta probabilidade de forma precisa.

E Thanos também dificulta as chances de êxito ao preservar um ideal de justiça divina que simplesmente não cabe.

As metades não são iguais

Com 5% da população mundial, os Estados Unidos consomem cerca de 25% dos recursos naturais do planeta. A República Centro-Africana (RCA), com uma população menor do que a cidade do Rio de Janeiro, tem mais de 2,5 milhões de habitantes passando fome. Se Thanos quisesse resolver o problema da miséria da RCA (e não lhe ocorresse a simples ideia de deslocar parte dos 40% da comida que os Estados Unidos produzem e desperdiçam), não conseguiria com mortes aleatórias. Na verdade, sequer precisaria eliminar metade da Terra: apenas o suficiente para reduzir a demanda por recursos à metade.

Vingadores Guerra Infinita Guardiões da Galáxia Titan Peter Parker Tony Stark Drax Mantis Peter Quill

Stark extrai da natureza quantidades exorbitantes de metais para suas armaduras. mas acaba poupado por Thanos: “equilíbrio”

Outro cenário possível: Thanos mata metade da população da Terra, incluindo 90% dos produtores agrícolas. Mesma que a demanda caísse imediatamente, a oferta cairia ainda mais, piorando a situação ao invés de melhorar. Se o portador da Manopla do Infinito deveria começar sua matança por quem mais esgota os recursos naturais de cada planeta, também deveria preservar todos os que ajudassem a alimentar as bocas restantes.

Quando ampliamos o olhar para o Universo, notamos que sequer o percentual de mortes em cada planeta é igual: Titan, com sete “habitantes” (Stark, Nebula, Strange, Peter Parker, Peter Quill, Drax e Mantis), chega ao final do filme com apenas dois. E Zen-Whoberi, assim como os demais planetas anteriormente visitados por Thanos? Tiveram sua população novamente reduzida pela metade? Esse número foi “compensado” em outros planetas? Ou os planetas foram excluídos da conta que determinou o número total de mortes? E o planeta Sovereign, de Guardiões da Galáxia Vol. 2, que tem 100% da população planejada, trabalhando para manter o planeta funcionando? Matar um habitante de Sovereign seria problemático. Matar a metade colocaria o planeta em colapso.

O que esperar de “Vingadores 4” (se a Disney fizer um filme sério)

O exemplo perfeito de Probabilidade Empírica provará a Thanos que seu plano não tem nada de especial e que a arrogância cobra seu preço. Mesmo dos deuses. Se assim for o roteiro de “Vingadores 4”, é claro.

Thanos se propõe a fazer algo terrível, mas não tem coragem para fazer de forma realmente efetiva. Ao “jogar a moeda” Universo afora, o “Titã Louco” se junta a outros Titãs tão errados quanto ele. O acaso não protege quem anda distraído.

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