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As boas obras sobre o mundo da máfia costumam ter como diferencial a busca por um território moralmente cinzento. Os personagens estereotipados estão lá, mas, em bons casos como Era Uma Vez na América e Os Bons Companheiros, os autores são capazes de partir desses estereótipos para desconstruir os indivíduos e expor suas nuances e complexidades. É justamente isso que tornou Sopranos, a série da HBO, um dos maiores – se não o maior – sucessos da história da televisão.
Quase quinze anos após o fim da série, eis que o filme-prelúdio, Os Muitos Santos de Newark, é lançado. Dirigido por Alan Taylor (que comandou alguns episódios da série e também dirigiu alguns filmes duvidosos como Thor: O Mundo Sombrio), o filme se passa no período da infância do protagonista da série, Tony Soprano (aqui interpretado por Michael Gandolfini, filho do falecido James Gandolfini). O foco, porém, é em Dickie Moltisanti (Alessandro Nivola), padrinho de Tony e um dos principais nomes da família de mafiosos de Nova Jersey.
Parece haver dois filmes em Os Muitos Santos de Newark. O projeto começa com o roteiro de David Chase (autor da série), que não buscava meramente expandir o mundo do seriado ou mostrar as origens de Tony Soprano, mas retratar o cenário de violência que permeia o mundo da máfia e expõe a dualidade de suas figuras. Por exigência do estúdio, Santos de Newark acaba tendo que focar também no jovem Tony e em outros personagens já canonizados na série de TV.
Nas mãos de Alan Taylor, o projeto não prospera. Se a dificuldade de alinhar duas propostas em uma só obra já não bastasse, o diretor parece não ter o olhar necessário para imprimir justamente o que tornou Sopranos tão grandiosa: a complexidade moral de seus personagens. O longa passa tanto tempo referenciando o seriado que muitas cenas não ajudam a evoluir a história, nem sequer desenvolvem o mínimo drama. Essas sequências estão lá apenas para que vejamos as versões jovens de personagens como Silvio Dante, Corrado Junior e Paulie.
O problema é perceber como o projeto tinha, ao unir as duas propostas, a possibilidade de fazer um interessantíssimo retrato do mundo de Tony e reiterar uma ideia já explicitada na série: que todos ali são produto de seu meio. Tony cresceu em uma família afetuosa, mas disfuncional. Praticamente todos são criminosos gananciosos, e mesmo quando desejam demonstrar afeto, parecem esbarrar na falta de jeito para expressar sentimentos. O problema é que mesmo unindo as propostas, ainda há uma ausência de foco que torna ordinário justamente o que diferenciava obras como Sopranos.
Ao não ter o mínimo interesse em explorar as relações humanas para além do superficial, Os Muitos Santos de Newark nunca encontra a complexidade moral de seus gângsters. Essas figuras quase todas extremamente desagradáveis, detestáveis, que criam um cenário de ódio que se retroalimenta. Se Sopranos tivesse como base a obra de Taylor, provavelmente o seriado não chegaria à sua segunda temporada.
O triste é constatar que os produtores nem devem se incomodar muito com a mediocridade da obra. Afinal, o objetivo de quem encomendou o filme não parece ser seguir o tom da série ou desenvolver algo novo, apenas ordenhar o universo do premiado seriado. Na era das franquias e universos compartilhados, Os Muitos Santos de Newark vê como produto um dos mundos fictícios mais complexos e cativantes que vimos no século.
As cenas e tramas são todas secas, frias e sucintas. Tudo acontece de forma tão genérica que mais parece que todo o projeto foi filmado no piloto automático. Se Sopranos tinha como diferencial o fato de até o mais asqueroso de seus vilões ter alguma humanidade capaz de nos fazer sentir empatia, Santos de Newark tem como diferencial fazer com que todos sejam apenas desinteressantes. Independente de estar ou não ligado à série, o longa tem uma narrativa tão insossa, que não fosse o nome Sopranos, provavelmente seria apenas mais um daqueles filmes genéricos que integram o catálogo de uma Netflix da vida e que ninguém percebe que existe.