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Quando Eu Me Encontrar

Quando Eu Me Encontrar

Realismo doce

Wallace Andrioli - 20 de junho de 2023

Já de início, Quando Eu Me Encontrar se apresenta como um filme fortemente musical. No plano geral de abertura, vê-se a paisagem noturna da orla de Fortaleza, enquanto duas mulheres conversam e cantam o samba “Preciso me encontrar”, de Candeia (muito conhecido na voz de Cartola). Quando chegam ao trecho que diz “se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar, depois que me encontrar”, as personagens ainda não identificadas erram o último verso, cantando-o como o título do filme, que surge na tela nesse exato momento. Articulação temporal perfeita entre música e imagem, além da canção em questão anunciar o gesto inicial de Dayane, uma das mulheres: a fuga disparadora da narrativa.

Há nessa estreia na direção de Amanda Pontes e Michelline Helena algumas outras inserções musicais muito bem integradas à história contada, sobretudo aquelas protagonizadas por Di Ferreira, a melhor atriz do filme, dona de uma presença magnética. A cena em que ela canta “Trocando em miúdos”, de Chico Buarque, para o personagem Antônio (David Santos), é especialmente inspirada. Mas também vale destacar o uso de “Uma canção desnaturada”, também de Chico, num momento doloroso de espelhamento das relações da protagonista Marluce (Luciana Souza) com a filha desaparecida e com a mãe ausente (Adna Oliveira).

Daí ser uma pena que Quando Eu Me Encontrar tenha uma encenação tão engessada, quase toda construída sobre primeiros planos dos atores, privilegiando excessivamente seus rostos numa lógica de supervalorização dos personagens como vetores absolutos da dramaturgia. Falta, por exemplo, um olhar mais atento das diretoras para a interação dessas figuras com os espaços, tanto domésticos quanto, principalmente, urbanos. Fortaleza em si significa quase nada no filme, se resumindo a alguns poucos planos gerais de ambientação.

No tom, Quando Eu Me Encontrar guarda semelhanças com outros filmes brasileiros recentes, que também olham para personagens periféricos a partir de um estilo realista doce, longe de brutalismos historicamente associados a esse tipo de cinema (mesmo que eventualmente incorporem o elemento da violência). O pernambucano Rio Doce (2021), de Fellipe Fernandes, o paranaense Mirador (2021), de Bruno Costa, e, claro, quase todo o conjunto de filmes da produtora mineira Filmes de Plástico, principalmente aqueles dirigidos por André Novais Oliveira, são exemplos nesse sentido. A principal diferença é que esses filmes conseguem transitar com muito mais desenvoltura entre o “universal” e o local, enquanto Quando Eu Me Encontrar parece se contentar com a suposição de se inserir na primeira (e sempre insuficiente) categoria. Ainda assim, Amanda e Michelline se saem muito bem na vinculação a tal estilo, sobretudo na linda cena final.

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