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Redemoinho

Redemoinho

Matheus Fiore - 8 de fevereiro de 2017

Cinema é imagem em movimento. De nada funciona um bom roteiro se este não estiver acompanhado pelos outros aspectos da obra que constroem sua narrativa. Uma história pode ser contada sem diálogo algum, desde que as imagens cumpram o papel da condução. Em Redemoinho, o cineasta José Luiz Villamarim (diretor de Avenida Brasil, novela responsável por uma grande revolução na linguagem audio-visual da Rede Globo), parte desse princípio para construir uma obra extremamente imagética e intensa.

A obra acompanha o encontro entre dois amigos de infância, Luzimar e Gildo, em uma noite de natal. Luzimar, o protagonista interpretado pelo excelente Irandhir Santos, é um funcionário da fábrica de tecido de sua cidade natal, enquanto Gildo (Júlio Andrade), trocou a cidade do interior de Minas por São Paulo e tornou-se um trabalhador supostamente bem sucedido.

Mesmo não havendo foco em desenvolver a história de forma objetiva, o roteiro de George Moura é eficiente ao plantar pequenas pistas sobre o passado de seus personagens e enriquece-lo por meio de diálogos, que movimentam a trama. A relação entre Luzimar, o rapaz do interior que não teve a chance de conhecer a grande cidade, e seu amigo Gildo, que trocou o interior pela intensidade da maior capital do continente, é bem expressa até nas atuações, com um protagonista muito mais quieto, contrastando com o estilo agitado e consumista do coadjuvante.

Se o roteiro se atém aos diálogos, a direção e a fotografia são felizes ao dar o peso necessário aos desdobramentos do filme. Os planos, muitas vezes com a câmera distante – o que resulta em uma grande quantidade de elementos entre a lente e os atores – imprime a sensação de aprisionamento e pressão em alguns personagens. Há, porém, um vazio de simbolismo que enfraquece a beleza de Redemoinho. Os contrastes de cores quentes e frias como nos momentos que alternam a fábrica e as ruas de Catanguases impactam, mas não falam.

Sem ser demasiadamente panfletário, Redemoinho critica com ironia o desprezo de alguns moradores das grandes cidades pelo interior, como se, por morarem em maiores centros urbanos, estes fossem mais desenvolvidos. É interessante notar que Gildo, por exemplo, se recusa a parar de falar e beber, em busca de ocupar sua mente para esquecer o vazio existencial que o aguarda quando regressar para São Paulo.

A falta de humanidade de Gildo também é representada na sua relação com sua mãe. Além de insistir em chamá-la pelo nome, tornando a relação totalmente impessoal, é elogiável a sutileza da obra de mostrar a enorme televisão de 43 polegadas que o rapaz comprou para sua mãe de presente, para, em sequência, encaixar perto da “Dona Marta” o único símbolo natalino do lar, um ímã de árvore presente na geladeira da cozinha.

Os enquadramentos também deixam claro a postura do filme. A câmera muitas vezes recusa-se a entrar nas salas e quartos, optando por planos conjuntos e médios que proporcionam profundidade visual. Como já mencionado, ocasionalmente proporcionam a representação do isolamento e encarceramento dos personagens, mas também funciona para mostrar a distância entre eles e suas realidades, já que alguns, como Marta, ficam praticamente toda a projeção na cozinha (lá sim, há planos médios e primeiros que aproximam o espectador dos personagens).

As cores possuem pouca função no filme, mas são eficientes. Nota-se o uso de um azul claro, mais seco, pelo protagonista Luzimar, que pode ser interpretado como a tristeza que acompanha o personagem desde seu trauma de infância. Ao usar um tom de azul claro, o personagem mostra que está mais distante das dores do passado, enquanto seu colega, Gildo, utiliza o preto de seu luto eterno acompanhado pelo azul escuro de seu carro, projetando sua tristeza em seu consumismo.

A grande sacada, porém, é o uso do amarelo no figurino de outro personagem, que, incapaz de esquecer seu passado, veste a cor do local que o traumatizou. Infelizmente, este mesmo personagem é protagonista de um dos momentos mais covardes da obra, que por não possuir um grande arco dramático, opta por muletas em seu roteiro para tentar impactar em seu clímax.

O principal problema do longa é a falta de profundidade de sua narrativa e dar sentido às imagens utilizadas. A ponte chuvosa e as rimas visuais que enaltecem a simplicidade dos lares dos personagens até funcionam, mas o trem, por exemplo, mesmo tendo uma intensa presença graças ao bom som do filme, só encontra função no ato final, justamente no pior momento da obra.

Redemoinho é um filme com visual exuberante e que faz excelente uso de seu design de som para enriquecer a narrativa, mas à serviço apenas de pequenos trechos, que juntos não constroem um grande ideal nem conseguem criar um bom ápice para seu enredo. Por apostar demais na imagem, a obra acaba desfalcando seu roteiro, e sem o equilíbrio, sabota-se com más escolhas que empobrecem sua trama e o tornam um longa belo, mas vazio.

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