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Rogue One: Uma História Star Wars

Rogue One: Uma História Star Wars

Matheus Fiore - 14 de dezembro de 2016

Mesmo sendo uma das franquias mais consagradas da história, Star Wars sempre teve tramas extremamente maniqueístas. Talvez um dos raros momentos no qual o publico teve um vislumbre de um personagem mais afastado da polarização Luz-Trevas tenha sido no horrível Episódio I: A Ameaça Fantasma, de 1999. No filme, que abriu a trilogia-prelúdio, conhecemos Qui-Gon Jinn (Liam Neeson), o mestre de Obi-Wan Kenobi, que agia alheio às ordens do Conselho Jedi, o que o caracterizava como um “jedi cinza”.

Para trazer essas nuances e desconstruir essa polaridade de bem e mal da franquia, eis que a Disney nos entrega o primeiro Spin-off da série: Rogue One: Uma História Star Wars. O capítulo, que se insere entre os episódios III e IV, durante a ascensão do império, conta a história de um plano da Aliança Rebelde para roubar os planos da Estrela da Morte, a arma de guerra definitiva do Império de Darth Sidious.

Estruturalmente, a obra é dividida nos três atos clássicos (introdução, desenvolvimento e clímax), mas narrativamente o filme funciona em duas partes. A primeira é responsável pela ambientação, introdução e desenvolvimento de personagens; já a segunda nos traz a execução do plano rebelde. Desde os primeiros minutos de projeção, percebe-se uma estética diferente do que estamos habituados ao pensarmos em Star Wars. O clássico pôr do sol em Tatooine dá lugar a um céu acinzentado, às vezes chuvoso e sempre com um clima soturno, de paleta de cores escuras, acompanhadas por uma densa trilha sonora, que imprime o clima de guerra.

Durante boa parte de seus 133 minutos, Rogue One mantém essa estética sombria que dá um ar muito mais adulto à série, e isso reflete na personalidade dos personagens. Há “mocinhos” que, logo em sua apresentação, mostram que sua causa está muito acima de qualquer conceito moral ou ético. Isso, porém, não é refletido na protagonista Jyn Erso, que possui poucas oportunidades de desenvolver sua personalidade e está lá apenas para guiar a trama.

Há um grave problema estrutural na primeira metade do filme. Provavelmente por intervenção do estúdio, que sujeitou o filme às refilmagens, vários personagens têm uma participação reduzida e outros, que pareciam ser mais sérios, possuem desconexas cenas de comédia, deixando uma clara impressão de que a Disney, como faz com os filmes da Marvel, interveio para tornar a obra mais acessível e “colorida”. Essa suavização do tom no meio da projeção rende dois grandes problemas: a montagem e, consequentemente, o desenvolvimentos dos personagens.

A montagem e a edição são responsáveis por esculpir o tempo, dar continuidade e construir o ritmo de toda obra. Com a inserção e remoção de cenas já depois da pós-produção, alguns momentos da primeira metade possuem um ritmo irregular e prejudicam a construção dos personagens. Saw Guerrera e Galen Erso talvez sejam os dois papéis mais interessantes apresentados, mas, provavelmente por serem personagens mais sombrios e atormentados, possuem pouquíssimo (ou nenhum) desenvolvimento, sendo soterrados por excessos de cenas de ação não tão empolgantes. Mas o problema vai além, há personagens que têm em suas nuances de caráter seu maior destaque e, ao longo da projeção, têm essas modulações substituídas por uma forçada busca por redenção.

Em sua segunda metade, porém, Rogue One acerta mais do que erra. Apesar de ser o momento em que alguns personagens perdem elementos que os tornavam interessantes, é aqui que vemos a estética que Gareth Edwards quis trazer para seu filme. Assim como em O Despertar Da Força, encontramos nessa segunda parte um intenso conflito entre o Império e a Aliança Rebelde, mas, diferente do filme de 2015, não há a alternância entre os momentos de dor e aventura, e sim um crescente clima de guerra e morte.

A direção de Edwards também acerta muito ao não abusar de figuras da trilogia clássica para sustentar seu filme. A forma que o diretor encontrou para construir a imponência de um dos vilões é muito eficiente: evitando ao máximo superexpor a figura, muitas vezes a insere fora do quadro, deixando exposta apenas uma sombra ou o olhar intimidado dos personagens que com ela interagem. Sua escolha evita o desgaste de personagens e engrandece mais ainda o legado deles na franquia.

Por outro lado, o excesso de planos com movimento e muitos elementos em destaque é cansativo e impede a compreensão da mise-en-scene. E o problema é ampliado pelo excesso de cortes rápidos, tornando o filme extremamente cansativo e muitas vezes incompreensível.

O som é importantíssimo na escala do filme.Não só a trilha sonora, mas o som que acompanha passos, respirações e movimentos também imprime grandiosidade quando necessário. Já nas cenas de batalha, o trabalho de som nos transporta para um clima digno de um filme situado na Guerra do Vietnã, bem diferente da estética intergalática que se espera de Star Wars. Aqui, a direção de arte tem grande influência ao criar figurinos, maquiagens e cenários com muito verde e preto, remetendo a estética de filmes como Apocalypse Now, Platoon e Além da Linha Vermelha. A direção de arte é, aliás, a melhor coisa de Rogue One: Uma História Star Wars. Além da já citada estética de guerra do clímax, o capricho na construção de cada ambiente é admirável. Com ajuda da dessaturada fotografia, cria ambientes sujos, sem vida e muito característicos de um lugar assolado pro uma guerra civil. A sensação de falta de esperança é constante e reflete na visão que muitos personagens têm da guerra entre Rebelião e Império.

Mesmo prejudicado pelas refilmagens e edições, o filme consegue cumprir o papel de ligar a trilogia dos anos 2000 à clássica, embora não seja capaz de expandir tanto o universo como se espera de um spin-off. Trazendo uma narrativa mais densa do que o que se espera da saga, o longa é eficiente em dar mais nuances à guerra entre o Império e a Aliança Rebelde, tornando a franquia menos fantasiosa e polarizada, e mais humana. É um excelente começo para uma galáxia de histórias paralelas, que podem e devem ser revisitadas no futuro. Uma obra imperfeita, mas competente e que faz jus ao legado de Star Wars.

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