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Todo o Dinheiro do Mundo

Todo o Dinheiro do Mundo

Matheus Fiore - 25 de janeiro de 2018

Deixando de lado todo o buzz gerado pela troca envolvendo Kevin Spacey e Christopher Plummer, “Todo o Dinheiro do Mundo” entrega o que promete: contar a história sobre o sequestro do neto do homem que, à época, era o mais rico do mundo: John Paul Getty. O problema é: no que diz respeito ao cinema, não se trata de histórias, mas de como elas são contadas. “Todo o Dinheiro do Mundo” pode não ter a melhor história já pensada, mas, por sua veracidade e desenrolar, é uma trama bem interessante. O que Ridley Scott faz com ela, todavia, é decepcionante. Temos aqui um filme sem inspiração, sem pretensão e, principalmente, sem tesão.

A trama se desenvolve ao redor das negociações pelo resgate de John Paul Getty III, neto do bilionário (originalmente interpretado por Spacey e agora vivido por Plummer) que foi sequestrado em Roma, em 1973. O avô, porém, se recusou a pagar o resgate de 17 milhões de dólares, fazendo com que a história se prolongasse por meses. Sua ex-nora, Gail Harris (Michelle Williams), precisa, então, correr contra o tempo para convencer o magnata a ajudar a trazer seu filho de volta.

“Todo o Dinheiro do Mundo” faz escolhas simplórias em muitos aspectos. A fotografia de Dariusz Wolski, por exemplo, se alterna entre ambientes de iluminação sépia e outros mais gélidos – todos muito dominados por um excesso de sombras nas cenas internas. O que isso quer dizer? Na maioria das vezes, nada. O filme tem um código fotográfico que apenas atende ao personagem de Plummer, que tem sua frieza e solidão fortalecidos pelo frio e pelo escuro, mas pouco faz pelo restante dos personagens e para a narrativa como um todo.

Claro, a questão apontada referente à fotografia, sozinha, não torna “Todo o Dinheiro do Mundo” um mau filme. Mas é apenas um dos vários exemplos no filme de escolhas que até podem impressionar à primeira vista, mas que pouco acrescentam à forma de contar a história. A montagem, por exemplo, que durante o primeiro ato alterna entre o presente e flashbacks, serve apenas para inserir elementos que, no terceiro ato, serão importantes na resolução da trama. A escolha, porém, mostra-se forçada ao constatarmos que a variação temporal é completamente abandonada e nunca utilizada para desenvolver o mais importante personagem da narrativa: Paul Getty.

Os deslocamentos temporais são problemáticos. Afinal, surgem apenas para justificar escolhas do roteiro, conectando o primeiro e o terceiro ato (como a relação do Paul neto com uma estátua de seu avô). Mas nem só eles são um elemento da narrativa que é jogado fora: a narração também é inexplicavelmente descartada. A obra parece usar dos artifícios cinematográficos sem nenhuma intenção de manter uma coesão interna. Um elemento surge ao início da projeção, é abandonado após cumprir sua função.

Como resultado de tantos elementos deslocados e isolados ao longo da projeção, “Todo o Dinheiro do Mundo” parece um filme incompleto, mal cortado. Não há um tom definido, um estilo para contar a história. O filme começa como um drama narrado sob os olhos do neto e se encerra quase como um documentário sobre a relação de Paul Getty com sua família. Parece, ao fim, um filme mal acabado, que não saiu do rascunho.

No desenvolvimento dos personagens, os problemas continuam

Apesar de não ser o protagonista, o bilionário vivido por Plummer é a peça fundamental do quebra-cabeça do filme. É, afinal, dele a decisão de pagar ou não o resgate. Daí surgem os principais problemas de “Todo o Dinheiro do Mundo”: a obra nunca dá personalidade ao magnata. Paul Getty é um empresário unidimensional, que se define simplesmente por sua superficialidade e materialismo. E nem mesmo tais elementos são aprofundados – algo a se lamentar, pois isso poderia ser feito pelos flashbacks que a obra decide abandonar ainda em sua primeira metade.

Há momentos interessantes em que Ridley Scott constrói símbolos visuais para imprimir solidão a Getty. O diretor faz uso, por exemplo, de cenas nas quais outros personagens abordam o bilionário quando isolado em sua mansão. Para fortalecer este isolamento, há o uso de planos abertos que ressaltam como, no meio de suas coleções de arte, Paul Getty é um sujeito extremamente solitário, sendo esse vazio materializado no plano.

Mais interessante ainda é como Scott utiliza objetos de cena para dar pistas da personalidade do personagem de Plummer: a partida de xadrez jogada por um só jogador e com tabuleiro cercado por telefones, por exemplo, mostra como Getty, até para se comunicar, mantém uma distância, e ocupa fisicamente os espaços de sua mesa, sequer cogitando ter companhia. Destaca-se também a presença de muitas armas na parede atrás de sua mesa, mostrando como, além de isolado, Getty é um sujeito que não se sente mais seguro.

Mesmo com o interessante trabalho de construção visual de Getty, a narrativa, em certo momento, se reduz a acontecimentos circulares: a protagonista de Michelle Williams, auxiliada pelo espião de Mark Wahlberg, tenta convencer Getty a colaborar com o resgate. Nisso, não há desenvolvimento nem da relação do bilionário com seus herdeiros ou aprofundamento de personalidade para nenhum deles. Scott conduz o drama com um olhar distante, quase telefilmico, que ajuda a manter seu longa frio e distante do espectador.

É triste constatar que tantos elementos são subaproveitados, pois “Todo o Dinheiro do Mundo” tinha a possibilidade de traçar um interessante estudo sobre o materialismo e a superficialidade. Por todo o primeiro ato há, aqui e ali, pistas de que a questão da atribuição de valor à coisas é o conceito definidor de Getty, mas isso acaba sendo sufocado pelo suspense acerca das negociações, o que cria um imenso vazio entre a forma e o conteúdo do filme.

“Todo o Dinheiro do Mundo” parece a todo momento seguir uma subtrama que nunca se torna o plot principal. Quando é um thriller sobre as negociações do resgate do herdeiro de Paul Getty, o filme não atrai, pois o neto do bilionário é um personagem inócuo; quando é um filme sobre a distância entre os membros da família Getty, também não funciona, pois há personagens imprescindíveis à estrutura familiar, como o filho do magnata, que possuem dois ou três diálogos nos 130 minutos de projeção. Ridley Scott parece estar mais perdido do que nunca.

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