Avatar: O Caminho da Água

Avatar: O Caminho da Água

Cinema de texturas

Wallace Andrioli - 10 de janeiro de 2023

“O mar quando quebra na praia

É bonito, é bonito.”

(Dorival Caymmi)

 

Avatar: O Caminho da Água é um filme de texturas. Elas se mostram imediatamente no impressionante visual obtido por James Cameron, que retoma a combinação entre realismo e fantasia já presente no original para produzir, outra vez, encantamento com Pandora e seus povos nativos. Tudo aqui remete a uma certa concretude do real, mas expandido, potencializado ao extremo para que nunca se perca de vista o componente fantástico das imagens.

A quase onipresença da água e o fato de boa parte da narrativa transcorrer durante o dia são sintomas de como Cameron confia na própria capacidade de amalgamar essas características: as gotas de chuva que escorrem pela pele azul dos Na’vi demonstram o resultado da perfeita emulação de aspectos da realidade pela tecnologia e, ao mesmo tempo, lembram que aqueles são seres alienígenas, de um filme, portanto, de ficção-científica; a recorrência de cenas diurnas deixa claro que o diretor não pretende esconder nem a referida dimensão fantástica de Pandora (tudo deve ser visto), nem alguma eventual imperfeição no seu empreendimento emulativo (novamente a certeza do êxito). O realismo, para Cameron, não passa pela criação de imagens que remetam a um estilo historicamente constituído enquanto tal no cinema (fotografia granulada ou dessaturada, câmera na mão evocando uma urgência própria do documentário etc.), mas pela materialização, no profílmico, de um mundo crível, concreto, mesmo que mágico e digital.

Há também um ganho de textura no tratamento dado a certos personagens. Quaritch (Stephen Lang), sobretudo, se torna um vilão com algumas novas camadas de complexidade na comparação com o primeiro filme. O militar implacável e de presença magnética continua existindo, mas em Avatar: O Caminho da Água ele se torna ainda um pai reticente e, principalmente, alguém em processo de transformação, como era Jake Sully (Sam Worthington) em Avatar (2009). Assim, apesar de cruel e vingativo, Quaritch é movido também por um impulso de descoberta das possibilidades de seu novo corpo e pelo trauma da morte de sua versão anterior – é especialmente interessante a opção de Cameron por sempre incluir um olhar apreensivo do personagem quando ele nota a presença de Neytiri (Zoe Saldaña), sua algoz.

O protagonismo da água reforça esse sentido transicional, de movimento constante, que atravessa a franquia Avatar. Seus arcos mais importantes têm a ver com tornar-se algo diferente. “O caminho da água não tem começo nem fim”, dizem, em momentos distintos, dois personagens dessa continuação. Essa frase também aponta para uma condição do próprio filme: por partir de um universo já estabelecido e por não precisar concluir nada, em razão das continuações que virão, bem como pela longuíssima duração, Avatar: O Caminho da Água pode assumir mais intensamente o gesto exploratório dos ambientes e seres de Pandora.

E mesmo que Cameron tenha uma história para contar e goste muito de fazê-lo, ele se deleita realmente nos momentos de exibição prolongada dos elementos daquele mundo. Nesse sentido, Avatar: O Caminho da Água é mais sobre Lo’ak (Britain Dalton) nadando com Payakan, o tulkun (animal semelhante a uma baleia) desgarrado, ou sobre Kiri (Sigourney Weaver) interagindo com a natureza e descobrindo seus poderes, do que sobre uma sucessão rigorosamente articulada e sofisticada de eventos. Roteiros não são em si irrelevantes, claro, mas o que realmente importa é identificar onde está o coração de um filme. No caso de Avatar: O Caminho da Água, a resposta necessariamente passa por esse senso apuradíssimo de descoberta e encantamento, experienciados pelos personagens na diegese e propiciados ao espectador pelas imagens deslumbrantes criadas por Cameron.

Topo ▲