Ajude este site a continuar gerando conteúdo de qualidade. Desative o AdBlock

A Beira

A Beira

Espreitando e entendendo o inimigo

Wallace Andrioli - 17 de abril de 2019
Este texto faz parte da nossa cobertura para o festival É Tudo Verdade 2019

Numa cena de “A Beira”, John Thornton, ex-presidente do banco de investimentos Goldman Sachs, conversa com Steve Bannon, o detestado assessor da campanha presidencial de Donald Trump em 2016, após esse último participar de um debate no Canadá, diante de público majoritariamente hostil a suas ideias. Bannon ouve de Thornton elogios à sua ironia fina e seu charme, que teriam conquistado, ou ao menos surpreendido, os que foram ao evento esperando encontrar um homem meramente repugnante. De certa forma, o documentário de Alison Klayman produz um resultado semelhante.

Isso porque Bannon é, de fato, uma presença menos abjeta do que se poderia imaginar. Articulador internacional do que ele próprio chama de “movimento nacional-populista”, o estadunidense raramente é agressivo com seus interlocutores (ao menos diante da câmera de Klayman), ao contrário, por exemplo, das lideranças brasileiras que apoia: o escritor Olavo de Carvalho, o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, especialmente o deputado federal Eduardo. No entanto, como Olavo, Bannon parece entregue à mitomania, se vendo como alguém indispensável para a vitória de Trump e para o êxito, concreto ou almejado, de líderes ideologicamente semelhantes: Bolsonaro no Brasil, Viktor Orbán na Hungria, Matteo Salvini na Itália, Nigel Farage no Reino Unido etc.

Apesar de claramente discordar das posições políticas de Bannon e de discutir com ele em diversos momentos, Klayman constrói “A Beira” mais como um filme de observação de suas atividades do que um juízo de valor devastador delas. Esse último seria, aliás, um caminho mais óbvio de ser seguido, afinal não é difícil odiar Bannon nem vender esse ódio em forma de demonização. Algo que um Michael Moore, por exemplo, talvez fizesse.

Pode até ser que, no fim das contas, o sujeito em questão seja uma espécie de “demônio”, um Joseph Goebbels contemporâneo (no filme ele faz piada sobre se inspirar em Leni Riefenstahl, a diretora de importantes filmes de propaganda nazista) disseminando intolerância pelo mundo. Mas de que adiantaria um documentário que se reduzisse a caricaturar essa figura, reiterando discursivamente suas intenções e ações malévolas? Nesse sentido, a proposta de Klayman parece bem mais efetiva, já que resulta de um olhar curioso, inquiridor e compreensivo para um fenômeno político central no mundo atual. Ela tem consciência da importância de, antes de tudo, entender o que está acontecendo. Sem contar o mérito de reconhecer a ambiguidade irresistível, em termos cinematográficos, de um personagem ao mesmo tempo agradável e defensor de ideias repulsivas.

Topo ▲