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Minari: Em Busca da Felicidade

Minari: Em Busca da Felicidade

O inalcançável sonho americano

João Oliveira - 25 de abril de 2021

A questão migratória dos Estados Unidos é uma temática bastante presente em seu cinema. O gênio Clint Eastwood, por exemplo, abordou este assunto duas vezes nos excelentes Gran Torino A Mula. Em ambos, Clint interpreta um republicano solitário que acaba encontrando conforto em famílias de imigrantes vietnamitas e mexicanos, respectivamente. Falar de imigração é falar do sonho americano, pessoas dos mais diversos países vêm aos Estados Unidos para perseguir este objetivo, mas muitas vezes acabam em situação de subemprego e relegadas às periferias das metrópoles estadunidenses. Minari trata desta questão, porém sem o protagonismo de um americano tendo que rever suas perspectivas sobre os povos migrantes. Aqui, temos uma família coreana no centro da narrativa. Situado na Era Reagan, observamos este grupo recém transferido para o interior do Arkansas em busca do sonho do empreendedorismo, almejando a criação de uma fazenda produtora de alimentos para municiar o comércio regional.

Minari é um filme extremamente político, mas este conteúdo reside nas entrelinhas. Isto ocorre pois o longa-metragem trata-se de um drama familiar, semelhante ao que Hirokazu Kore-eda fez em Assunto de Família. Ao contrário do exemplar japonês, a família Yi não tenta burlar o sistema, mas se adequar às estruturas norte-americanas. Ao longo do tempo de duração, é comum escutarmos diálogos que misturam a língua inglesa com a coreana –  este pequeno detalhe demonstra o esforço familiar em se submeter as normas que regem este ecossistema. Além disso, inúmeros exemplos de crença no americanismo são dados no longa, seja pelo nome dos membros desta família: Jacob (Steven Yeun), Monica (Han Yeri), David (Alan Kim) e Anne (Noel Kate Cho), todos americanizados, ou pelas frequentes idas à igreja católica, a família Yi adota uma postura servil à busca desse ideal. No entanto, toda esta estrutura começa a ruir com a chegada de Soonja (Youn Yuh-Jung), mãe de Monica, que vem da Coréia do Sul para viver com o clã.

Soonja é a figura central deste filme. É ela quem se encarrega de revelar os conflitos presentes na família Yi. Com a sua vinda, Monica começa a questionar a mudança da família para o Arkansas e a devoção de Jacob em criar uma fazenda. Há uma inversão de valores interessante, já que Soonja não é a figura tradicional encarregada de trazer a manutenção de valores, mas uma pessoa disruptiva que subverte toda a dinâmica desta família. Não à toa que sua contrapartida seja David, o filho mais novo, que possui uma condição cardíaca séria e precisa manter uma rotina extremamente regrada. O menino questiona o quão não ortodoxa é sua avó e briga com ela por não ser como as vovós americanas que aparecem na televisão. É como se o americanismo se revoltasse com inadequação ao status quo de Soonja. No entanto, a medida que o longa avança, David demonstra certo fascínio por sua avó, evidenciando a busca por uma conciliação entre estas partes conflitantes. Esse empenho acontece pois Lee Isaac Chung, diretor do filme, é David, de certa forma. Nascido no Colorado, o ele passou por situações análogas ao menino da obra cinematográfica. Portanto, essa busca por diálogo não é uma simples conciliação da família fílmica, mas também uma conciliação do diretor com suas origens.

Dessa forma, é perceptível a presença de um carinho nas filmagens da obra. Com muitos planos contemplativos que lembram o cinema de Terrence Malick, o filme é um mergulho no cotidiano destes personagens e nas relações interpessoais que eles possuem, bem como suas relações com os espaços que eles habitam. Ainda sobre essa relação espacial, o longa dedica boa parte de seu tempo para tocar nesse assunto, seja na forma como Soonja cultiva suas minaris, ou como Jacob desvenda onde há poços artesianos com David. Esta relação com os espaços diz respeito ao sonho americano, que possui em um de seus principais pilares a obtenção da propriedade privada. No entanto, outra grande questão do sonho americano aborda a busca pela felicidade e, se por um lado, Jacob se satisfaz com seu pedaço de terra, Monica tem uma relação conflituosa com seu novo ambiente. Insatisfeita com a mudança para o sul dos EUA, a matriarca sente falta da vida na California, mesmo que em piores condições financeiras e presa a um subemprego.

O trabalhismo é um dos pontos principais de Minari. A produção aborda o labor tanto em sua questão política, como na relação de seus personagens com o emprego. Jacob, um homem conservador e fiel à busca pelo sonho americano, acredita que somente através de exaustivas horas cuidando do solo será capaz de obter a prosperidade financeira desejada. Enquanto isso, Monica se conforma com as condições precárias que são fornecidas para os imigrantes em solo estadunidense, preferindo o subemprego de separar pintos em uma fábrica a cuidar da fazenda. O longa-metragem expõe de maneira naturalista as circunstâncias que o imigrante se submete ao chegar em solo americano, sendo obrigado a escolher duas opções: viver de subemprego em condições precárias ou lutar arduamente por um sonho inalcançável.

Em um paralelo com os Estados Unidos recente, Jacob costuma trajar um boné vermelho, aos moldes do “MAGA hat” popularizado pela campanha política de Donald Trump. Assim como na administração Trump, a Era Reagan possuiu um discurso de escalada neoliberal e incentivo ao empreendedorismo e ambas tiveram grandes problemas com a questão migratória em solo americano. Se em Reagan este problema foi escancarado pela guerra às drogas que assassinou milhares de imigrantes nos guetos, Trump chegou ao absurdo de enjaular crianças filhas de imigrantes sem documentos e propôs a criação de um muro na fronteira com o México. Portanto, Jacob vestir esta peça significa que sua ambição pelo sonho americano é ilusória, pois o país que ele tanto serve pouco se importa com ele. Da mesma forma, essa desvalorização do trabalhador acontece nas fábricas que a família Yi trabalhava e que Monica preferia, ou seja, os casos de sucesso de imigrantes na América são apenas exceções.

Minari também é um filme sobre fé. A medida que Jacob progride no estabelecimento de sua fazenda, o protagonista experimenta cada vez mais a perda de sua fé. Ao contrário do que prega o protestantismo, a fé deste personagem se localiza diametralmente oposta à sua devoção ao trabalho. Já Soonja é completamente descrente na Igreja ocidental, chegando ao ponto de roubar o dinheiro da caixinha de doações posto por sua filha, uma devota ferrenha. Apesar da relação da família Yi com a fé, há um personagem no filme que possui uma ligação ainda mais interessante com o divino: Paul (Will Patton). Veterano da Guerra da Coréia, este americano trabalha com Jacob na fazenda e carrega todos os domingos uma cruz em suas costas pela vizinhança. É curiosa essa devoção de Paul, pois ela parece estar atrelada a um sentimento de culpa e o ato de carregar a cruz semanalmente seria sua penitência, enquanto trabalhar para Jacob, sua redenção.

Jacob paga pelos seus pecados e sua ganância é responsável pela ruína de seu núcleo familiar. Devoto ao trabalho em detrimento a sua família, o patriarca despe-se de todos os seus valores essenciais para obter o inalcançável sonho americano. Dessa forma, o protagonista enfrenta um burnout fílmico, já que somente assim ele é capaz de resgatar seus ideais. Esta catarse é ocasionada por Soonja, a nova integrante da família se encarrega de trazer de volta todo o núcleo para uma unidade e dá motivos de esperanças para todos após a perda da plantação com seus minaris. Soonja é a junção do velho e do novo, do tradicional e do subversivo, do americano e do coreano, o modelo de exemplo a ser seguido, apesar de todos seus defeitos.

A seleção do Oscar deste ano contou com filmes de alto teor político e é curioso perceber como que Minari se complementa à Nomadland. Enquanto o longa de Lee Isaac Chung aborda o passado recente dos Estados Unidos, que coloca imigrantes em busca de um sonho americano inalcançável a trabalhar em subempregos, o filme de Chloé Zhao trata de uma perspectiva mais contemporânea, onde o cidadão estadunidense que enfrenta essa precarização da sua mão-de-obra – algo fruto da hegemonia dos grandes conglomerados e do pós-crise de 2008. MinariNomadland casam bem em uma sessão conjunta justamente pela maneira como ambos abordam a questão da busca pelo sonho americano, mas o primeiro parece se atentar a ir ao cerne desta questão, investigando a ruina de uma família que fora funcional em algum momento e pôs tudo a perder nesta jornada impossível.

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